Por Dr. M. Mattedi.
A luta contra o Coronavírus (COVID-19) vai mobilizando toda a população mundial. Aos poucos as pessoas em todo o mundo vão se dando conta dos riscos sanitários, econômicos e políticos da pandemia. É que o efeito cumulativo da pandemia vai, progressivamente, estabelecendo um clima de muita insegurança e incerteza. Assim, o medo de contaminação vai se misturando com o medo de recessão gerando muita instabilidade política. Por isto, a medida que a mobilização de esforços crescem os conflitos aumentam. Consequentemente, a gestão da emergência do COVID-19 vai se convertendo num experimento social de escala global.
A disseminação do COVID-19 é difícil de ser contida devido a cinco fatores que se encontram relacionados: 1) a inexistência ainda de uma forma eficaz de tratamento; 2) o alto grau de letalidade, principalmente no grupo de pessoas idosas; 3) o caráter assintomático do contágio, o que aumenta o risco de contaminação; 4) a sobrecarga do sistema de atendimento devido a concomitância de pessoas; 5) a cadeia de desinformação gerada pelas mídias sociais. O efeito combinado deste processo é paradoxal, afinal faz com que as medidas de precaução sejam cada vez mais necessárias, porém sempre menos suficientes.
Por isto, o principal desafio constitui determinar qual estratégia de gestão adotar. Considerando as experiências conhecidas até o presente é possível diferenciar duas estratégias predominantes de confrontação do COVID-19: a) Foco na Supressão: manter o número de casos sempre baixos; b) Foco na Mitigação: diminuir o ritmo de avanço da pandemia. Enquanto a primeira envolve um tempo relativamente longo para o desenvolvimento de vacinas, a segunda implica aprender a convive com o problema para evitar que ele volte. Neste sentido, a opção principal constitui a temporalidade: ganhar tempo para entender e controlar o impacto.
Apesar das duas estratégias não serem mutuamente excludentes, até agora tem predominado a estratégia do Foco na Mitigação. Mais precisamente, o protocolo de gestão fixado pela OMS é retardar ao máximo a onda de propagação do vírus. Trata-se, assim, de achatar a curva de contaminação para evitar a capacidade de suporte do sistema de atendimento de saúde. Por isto, em todos os lugares do mundo este processo risco envolve, principalmente, conscientizar a população a seguir as recomendações dos serviços de saúde e governamentais. Porém, a questão principal aqui é como manter a curva achatada por muito tempo.
É que embora os efeitos emergentes provocados pelo COVID-19 sejam alarmantes não existe ainda consenso entre os especialistas sobre a melhor estratégia de gestão. Existem duas de gestão bem-sucedidas de contenção da disseminação do coronavírus: a) Modelo Restritivo: baseado na experiência chinesa de estabelecimento de um controle territorial (Vazio Sanitário); b) Modelo Permissivo: baseado na experiência coreana de realização de intensiva deste de testes (Monitoramento Individual). Verifica-se, desta forma, que as estratégias de gestão do COVID-19 não são apenas uma questão de ordem técnica, mas, sobretudo, de ordem política.
O processo de escolha da estratégia de gestão do risco pressupõe também determinar que estratégia de comunicação adotar. Dito, de outra forma, numa época de sobrecarga de informação, o desafio é comunicar o risco sem agravar o problema de gestão. Neste sentido, o curso se move entre duas posições predominantes: a) Alarmista: deixa a circulação da informação livre; b) Paternalista: filtrar a informação para a sociedade. Consequentemente, a comunicação do risco constitui uma questão
muito delicada na gestão do COVID-19, afinal se enfatizar o excesso de precaução pode promover o pânico, porém enfatizar menos precaução pode potencializar o impacto.
Isto significa que a gestão do COVID-19 desencadeia impactos ambivalentes sobre população: a) Impactos Diretos: efeitos provocados pelo COVID-19 de curto prazo; b) Impactos Indiretos: efeitos provocados pelo COVID-19 de longo prazo. Ou seja, a eficácia da estratégia de gestão depende muito dos modelos que são aplicados para análise. Mais precisamente, trata-se de como é calibrada a relação entre Problema-Solução: a adequação da resposta ao COVID-19 depende de como foi concebido o problema. Portanto, indica que as respostas podem causar ondas de choque econômicas e sociais ainda mais graves: o remédio pode ser pior que a doença.
Ou seja, a gestão do risco se estabelece na tensão entre Liberdade e Segurança. Neste sentido, é possível diferenciar duas posições principais: a) Posição Minimalista (isolamento dos infectados); b) Posição Maximalista (confinamento comunitário). No primeiro caso valoriza-se a liberdade comprometendo a segurança; no segundo caso, prioriza-se a segurança reduzindo a liberdade. Porém, a relação entre estas duas posições não é discreta, mas contínua, afinal inicia-se com a Posição Minimalista e progressivamente transita-se para a Posição maximalista. Portanto, a gestão do risco indica que a medida que o medo aumenta trocamos Liberdade por Segurança.
Acima de tudo a comoção gerada pelo coronavírus esconde um processo político muito bem documentado. Afinal, não existe nada de extraordinário na atual situação de emergência. A pandemia do coronavírus obedece ao Princípio de Continuidade que caracteriza todos os desastres. O Princípio de Continuidade estabelece que existe uma relação de transição entre o Tempo-1 (T1 = condições sociais Pré-impacto) e o Tempo-2 (T2 = as condições sociais Trans e Pós-impacto). Ou seja, quanto mais vulnerável (falta de preparação) no T1, maiores os impactos no T2. Portanto, a calamidade social verificada atualmente constitui um efeito emergente da falta de preparação.
A pandemia do COVID-19 traz embutida implicações de ordem econômicas, políticas e sociais muito complexas. Por isto, as implicações da forma como o COVID-19 se dissemina e a maneira como as estratégias de gestão são implementadas desencadeiam muitas dúvidas e assustam cada vez mais. Estas inquietações dizem respeito não somente ao entendimento do fenômeno, mas, sobretudo, as consequências das formas de confrontação. A intensificação de disputas indica que o pior ainda está por vir. Portanto, a luta contra o COVID-19 é também a luta pela manutenção e ampliação das formas de controle. Afinal, quem controla o COVID-19, controla a sociedade!
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