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DO DISTANCIAMENTO SOCIAL AO DISTANCIAMENTO MORAL (01/05)

Universidade Regional de Blumenau


O Distanciamento Social é uma questão moral. E, como toda questão moral, também constitui um processo social muito complexo. Tanto pequenas escolhas como, por exemplo, ficar em casa, usar máscara, lavar as mãos sistematicamente, minimizar o contato desnecessário, tossir no cotovelo; quanto, ao contrário, dilemas lancinantes como a oposição entre a estratégia de atingir rapidamente a imunidade do rebanho para impedir a propagação do vírus, ou a estratégia de diminuir a disseminação do vírus para proteger os vulneráveis e evitar o colapso dos sistemas de saúde. E ambas situações implicam escolhas, afinal, estamos sempre escolhendo...


Existem vários princípios morais que podem ser invocados para justificar nossas escolhas. Pode-se, por exemplo, apelar para teorias morais utilitaristas focadas nas consequências esperadas (maximizar o bem ou minimizar o mal); mas pode-se também recorrer as teorias deontológicas focadas em direitos mais fundamentais (imperativos morais). Ocorre, contudo, que, independentemente da escolha, a maioria das pessoas que aprovam ou rejeitam o Distanciamento Social acredita firmemente que a sua escolha é sempre a mais justa, virtuosa e moral. Por isto, na maioria das vezes, a justificação de nossas escolhas sempre acaba causando mais problemas do que resolve.


Porém, algumas descobertas recentes sobre o processo cognitivo de escolha lançam alguma luz nestas questões. Ao contrário da forma de justificação filosófica a tomada de decisões não é um processo completamente consciente. De fato, a escolha é decidida muito antes que tenhamos percebido. Assim, nossa consciência constitui apenas um filtro final que faz com que adotemos ou rejeitemos o Distanciamento Social. Este processo foi, recentemente, descrito por Daniel Kahneman como sistema rápido e sistema lento de pensar. Neste sentido, podemos caracterizar nossas formas de fazer escolhas de duas maneiras: a) Módulo Heurístico; b) Módulo Algorítmico.


a) Módulo Heurístico: refere-se ao processo de ativação do nosso cérebro inconsciente antes do processo de decisão consciente. Isto acontece porque ele é rápido, automático, frequente, emocional e inconsciente. Funciona com base em esquemas (estereótipos) e por isso é eficiente para fazer coisa como, por exemplo, determinar que um objeto está a uma distância maior que outra; localizar a fonte de um som específico; mostrar nojo ao ver uma imagem horrível, etc. Neste sentido, o Módulo Heurístico envolve associar novas informações a padrões existentes, em vez de criar novos padrões para cada nova experiência.

b) Módulo Algorítmico: compreende o sistema que usamos quando analisamos sistematicamente um problema e nos esforçamos para encontrar uma solução. Por isto, este módulo é lento, esforçado, pouco frequente, lógico e consciente. É adequado para efetuar tarefas como grandes detalhes como, por exemplo, determinar a adequação de um comportamento específico em um ambiente social, determinar a validade de um raciocínio lógico complexo, etc. O Módulo Algorítmico intervém na resolução de problemas complexos graças à sua abordagem bastante analítica, mas requer mais concentração e mais atenção por parte do indivíduo.


O primeiro é mais rápido, mas menos seguro, enquanto o segundo é mais lento, mas mais confiável. As implicações dessas descobertas para decisão moral são importantes. Indicam que se quisermos mesmo melhorar nosso processo de tomada de decisão em geral e com relação ao Distanciamento Social em particular precisamos intervir no nosso Módulo Heurístico. Afinal, existem vários fatores que influenciam nossas decisões como, por exemplo, os vieses de ancoragem, de disponibilidade, de substituição, de enquadramento... Em síntese, para evitar que nossas escolhas na COVID-19 não agravem o problema nosso Módulo Heurístico precisa ser monitorado.


Afinal, como estamos presos entre duas posições extremas, que vão do pânico ao ceticismo profundo, as escolhas sobre o Distanciamento Social no Módulo Heurístico são potencialmente perigosas. Afinal, baseado no Módulo Heurístico tendemos a optar entre, por um lado, o Alarmismo: a corrente de pânico insuflada pela tendência de sensacionalismo das mídias sociais; ou, por outro, o Negacionismo: descrença surgida pelo questionamento sistemático de todas informações oficiais. Portanto, o exame de informações sutis, baseadas em fatos e ciência, nem sempre é facilmente acessível pois implica a ativação do Módulo Algorítmico para tomada de decisão.


Afinal, o senso de superioridade moral é talvez um dos traços sociais mais bem distribuídos entre os seres humanos. É que todos nós sempre acabamos nos achando superiores moralmente. Pensar que estamos acima da média é de fato muito comum. Se nos pedissem para avaliar nossa honestidade em relação a outras pessoas, a maioria de nós diria que se encontra acima da média! Isto acontece porque estamos acostumados a julgar os outros em função de nossos próprios méritos. E isto é bastante normal porque conhecemos melhor a nós mesmos que os outros. Afinal, até criminosos condenados conseguem se sentir superiores as suas vítimas.


No Distanciamento Social a pessoa que se sente superior moralmente senta-se no seu sofá proverbial e julga a informações que recebe pelo celular com base na sua intuição moral (Módulo Heurístico). Embora seja muito bom se sentir superior moralmente é, também, muito inútil. De fato, serve apenas como uma espécie de Efeito de Compensação Moral. Afinal, como não temos condições determinar os riscos com exatidão não podemos saber se exageramos ou não na dosagem do Distanciamento Social. Por isto, nesta situação, a melhor coisa que podemos fazer é lutar para que nosso automatismo para julgar (moralismo) não reduza nossa capacidade de raciocinar.


O Distanciamento Social implica julgamentos morais. Mas, quando chegamos nos detalhes e perguntamos que nível de Distanciamento Social é justificável, as questões morais acabam sendo engolidas por questões técnicas. Isto acontece por que as escolhas dependem de questões como, por exemplo, a taxa de contágio e letalidade, quando uma vacina estará disponível, qual é taxa de conformidade social ao auto-isolamento, quais são seus prováveis ​​impactos econômicos... Por isto, quanto mais incerta a situação, mais conservadora a moral. Isto indica que para o Distanciamento Social funcionar é preciso primeiro ter um distanciamento moral.

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