Me. Frederico Beckedorff
Universidade Regional de Blumenau
email: fredyico@gmail.com
O novo coronavírus, ou COVID-19, se espalhou e gerou a situação de pandemia mundial. Os especialistas e cientistas através de estudos e pesquisas, desenvolveram projeções com relação ao contágio e mortes. Uma maneira de conter a rápida ascensão do vírus e diminuir a curva de contágio, e buscar evitar o colapso do sistema de saúde, foi através de isolamento social e quarentena das pessoas. Esta ação teve por objetivo não sobrecarregar os hospitais, diluindo os infectados ao longo do tempo, de modo que se manteve em funcionamento apenas os chamados serviços essenciais. Os Estados e as cidades foram aderindo às medidas de quarentena e as pessoas foram sendo restringidas de circulação. Apesar da pandemia, problemas sociais preexistentes não cessam, mas se intensificam e amplificam-se devido às tensões geradas pela situação. E, o local para proteção contra o vírus torna-se o mesmo à eclosão destes problemas sociais: a casa.
Casa, pelo dicionário Michaelis, é um” domicílio de um grupo de pessoas que vivem sob o mesmo teto” [LINK]. É nela que se dá o núcleo e a formação do convívio social e é aí que ocorrem os casos de violência doméstica. A violência doméstica [e familiar] é um problema constante e recorrente que, segundo o art. 5º da Lei Maria da Penha, é entendido como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Tem sido cada vez maior a preocupação dos órgãos ligados aos direitos humanos com relação à violência contra as mulheres. Em decorrência disso, o Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência vem realizando bianualmente, desde 2005, pesquisa de opinião para ouvir as brasileiras acerca de agressões contra as mulheres no país. A oitava edição do levantamento foi a de 2019 e alguns dados ajudam a entender os outros riscos que a quarentena apresenta [LINK].
Um dos aspectos apontado pelo levantamento foi dos principais responsáveis pelas agressões relatadas. Repetindo os resultados de anos anteriores, são eles: companheiros e ex-companheiros - incluídos (ex)namorados e (ex)maridos, conforme gráfico 1. “A principal diferença que vem aparecendo desde o começo da série histórica é o crescimento do volume de agressões cometidas pelos ‘ex’”. Enquanto em 2011, 13% das mulheres foram vítimas de violência por um ‘ex’, em 2019 esse índice subiu 24 pontos, chegando à casa dos 37%. Isso indica que os agressores são, em sua maioria, pessoas do convívio da vítima.

As situações de agressão, em geral, são desencadeadas por gatilhos que são acionados após algum fator que tire o agressor do controle. A perda do controle de sua dominação, que foi acostumado a viver, gera stress e desconforto. Como apresentado por Bourdieu, é a partir da dominação que as relações sociais baseadas no sexo são construídas. Essas relações são compreendidas por divisões fundamentais entre o masculino, ativo, e o feminino, passivo. Há um princípio criador/organizador do desejo nesta divisão: “o desejo masculino como desejo de posse, como dominação erotizada, e o desejo feminino como desejo da dominação masculina, como subordinação erotizada, ou mesmo, em última instância, como reconhecimento erotizado da dominação” (BOURDIEU, 2002)[1]. Quando numa relação esta construção não se mantém mais, as agressões podem ser desencadeadas para buscar restabelecer a dominação. Como demonstra o gráfico 2, o estado do agressor no momento da agressão.

Os estudos de casos de violência doméstica e agressão à mulher demonstram crescimento, mas, em contrapartida, ações que buscam reduzir estes índices. Polícias especializadas, disque denúncia, redes de apoio, institutos de pesquisa trabalham constantemente para atender e reduzir os casos e as situações.
Mas, em tempos de pandemia, a preocupação existente se tornou maior quando a forma eficaz de combate à disseminação do COVID-19 foi a quarentena e o isolamento social. Neste universo hostil, retirar a liberdade, cercear o espaço, restringir recursos e contato podem ser alguns dos elementos necessários à eclosão e atos violentos contra parceiros domésticos. A ONU Mulheres adverte que nos contextos de emergência há um aumento nos riscos de violência contra mulheres e meninas, e que as tensões domiciliares tendem a aumentar o isolamento das mulheres. Além disso, as “sobreviventes da violência podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena” (p. 2, LINK).
O agravante na atual conjuntura é o confinamento com o agressor, restrição da mobilidade e dificuldade, por consequência, de distanciamento e obtenção de ajuda e suporte. Apesar das subnotificações, no último dia 20 do mês de abril, relatório divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), informou que no contexto da pandemia de covid-19, os atendimentos da Polícia Militar à mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9% no estado de São Paulo. Além disso, o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817, na comparação entre março de 2019 e março de 2020 [LINK].
Devido às dificuldades inerentes do momento que a pandemia proporciona, as vítimas se tornam reféns em suas próprias casas. Em busca de reduzir este quadro, vizinhos e parentes podem ajudar a contatar a polícia caso suspeitem que a violência está ocorrendo [LINK]. Os Estados, para além de brigas palacianas e conflitos por poder e razão, devem pensar em ações efetivas para a proteção contra a violência doméstica em tempos de pandemia.
[1] BOURDIEU, PIERRE. A dominação Masculina. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
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