Dr M. MATTEDI
Universidade Regional de Blumenau
mam@furb.br
As pessoas têm muita dificuldade de lidar com situações de incerteza. Por isto se apegam muito em suas rotinas. Dessa forma, demoram muito para abandonar suas rotinas quando uma ameaça aparece. Assim, custam para reconhecer uma ameaça quando ela não afeta diretamente suas rotinas. Muitas vezes as pessoas tendem a duvidar da ameaça e manter suas rotinas mesmo diante do perigo. E mesmo quando percebem uma ameaça confiam muito nas suas rotinas para enfrentamento do problema. Como as pessoas precisam a previsibilidade para viver recorrem as regras práticas para simplificar e, assim, conseguir lidar com as incertezas do mundo social.
Isto indica que uma das etapas mais importantes da análise sociológica do Distanciamento Social constitui a compreensão da percepção individual da COVID-19. A forma como as pessoas processam subjetivamente o risco de ser contaminado pelo vírus constitui uma espiral vertiginosa de medo, rumores, negação, busca de culpados... E, consequentemente, a maneira como reagem não é resultado somente da desinformação, mas uma combinação específica de fatores cognitivos e sociais. O entendimento das percepções subjetivas da COVID-19 é importante porque afeta diretamente a forma como as pessoas experienciam o Distanciamento Social.
É por isto que quando uma Situação de Emergência ocorre, algumas pessoas se desesperam, outras se tornam eficazes, mas a maioria se mostra indiferente. Este processo está relacionado ao fato que a maioria das pessoas se recursa a acreditar que se encontra numa Situação de Emergência. Isto acontece porque quando estamos diante do risco, tentamos não vê-lo. É isto que explica a negligência das pessoas que podem adotar e não adotam o Distanciamento Social suposta pela Matriz Analítica proposta pelo Dr Spiess aqui no NET. Este processo acontece em função de um fenômeno cognitivo conhecido cientificamente como Viés de Normalidade.
O Viés de Normalidade constitui a tendência a subestimar os possíveis efeitos negativos das Situações de Emergência. Mais precisamente, refere-se a crença deliberada de que as coisas acontecerão no futuro da maneira como normalmente aconteceram no passado. Isto implica que tanto indivíduos quanto organizações tendem a acreditar nas opções menos alarmantes sempre que são recebam informações conflitantes sobre o perigo; e mesmo quando as informações são inequívocas, existe tendência a aguardar confirmação de fontes alternativas antes de adotar alguma ação protetora. Por isto, as instruções devem ser sempre oportunas, repetidas e inequívocas.
A influência deletéria do Viés de Normalidade se materializa, principalmente, na dificuldade das pessoas adotarem o Distanciamento Social. Aqui não estamos nos referindo apenas ao processo de Isolamento Horizontal (Confinamento Social); mas, principalmente, a adoção de medidas básicas de precaução como, por exemplo, a utilização de máscaras e a manutenção de distância mínima (Medidas de Segurança). Obviamente, existem muitas explicações para o posicionamento do indivíduo diante do risco. Neste sentido, para entender o Distanciamento Social podemos destacar duas principais: a) Teoria do Choque; b) Teoria do Autoengano; c) Teoria Cognitiva.
a) Teoria do Choque: estabelece que algumas pessoas ficam paralisadas em situações de stress intenso. Isto significa que risco de uma Situações de Emergência demora um tempo variável para ser adequadamente avaliado pelas pessoas. Até mesmo pessoas muito bem treinadas e bem informadas tem sua perspicácia cognitiva e habilidade física significativamente comprometidas sob condições de extrema pressão. Assim, diante de uma forte ameaça as pessoas podem se tornar instintivamente passivas. Portanto, deste ponto de vista o Viés de Normalidade é um comportamento completamente previsível.
b) Teoria do Autoengano: estabelece que algumas pessoas não conseguem individualizar o risco. O entendimento de Situações de Emergência, frequentemente, exige inferências complexas devido ao ritmo acelerado de acontecimento dos eventos. Por isto, as pessoas, frequentemente, buscam informações e opiniões que reforçam a percepção de que está tudo bem. Assim, por um lado, as pessoas acabam subestimando a probabilidade de ser impactado; mas também, por outro, as consequências negativas das ações pessoais. Embora conheçam os alertas e as recomendações poucas coisas conseguem convencer que estão em perigo.
É bem provável que a explicação mais plausível para a dificuldade em lidar com a COVID-19 seja uma combinação específica destes dois fatores em cada contexto social. Afinal, como todo viés cognitivo também o Viés de Normalidade constitui um erro de raciocínio provocado pela tentativa de manutenção das crenças mesmo diante de evidências contrárias. Frequentemente, estão relacionados à memória, raciocínio, a lembrança e tomada de decisão. Neste sentido, a resistência a adoção das medidas Distanciamento Social decorre da suposição de que o risco de contaminação no contato social é baixo e que os efeitos da doença não são graves.
Parece, assim, que a explicação mais razoável da dificuldade de adoção das medidas de Distanciamento Social seja um subproduto necessário das nossas limitações cognitivas. Mais precisamente, como o tempo e a capacidade de processamento de informações das pessoas são limitados, os humanos se valem de heurísticas que são propensas a falhas. Isto indica os problemas do Distanciamento Social resultam do uso de estereótipos sobre a COVID-19 que minimizam o risco de contágio. Estes estereótipos permitem as pessoas processar rapidamente grandes quantidades de informações rapidamente, porém distorcem a percepção do fenômeno.
Portanto, o Viés de Normalidade afeta diretamente a eficácia do Distanciamento Social na gestão da COVID-19. Afinal, ele dificulta a avaliação dos riscos potenciais do Coronavírus. Isto acontece porque as pessoas subestimam o risco de serem contaminadas e de não serem adequadamente atendidas. Este processo resulta da tentativa de evitar informações negativas que forcem a revisão das crenças (Efeito Avestruz). Neste sentido, acaba bloqueando a percepção dos efeitos positivos provocados pela redução da intensidade das interações sociais. Ou seja, a normalização da irresponsabilidade ajuda a explicar porque a maioria das pessoas não se protege adequadamente.
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