top of page
Buscar
  • 14 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura

Dr M. MATTEDI

Universidade Regional de Blumenau

mam@furb.br


As pessoas têm muita dificuldade de lidar com situações de incerteza. Por isto se apegam muito em suas rotinas. Dessa forma, demoram muito para abandonar suas rotinas quando uma ameaça aparece. Assim, custam para reconhecer uma ameaça quando ela não afeta diretamente suas rotinas. Muitas vezes as pessoas tendem a duvidar da ameaça e manter suas rotinas mesmo diante do perigo. E mesmo quando percebem uma ameaça confiam muito nas suas rotinas para enfrentamento do problema. Como as pessoas precisam a previsibilidade para viver recorrem as regras práticas para simplificar e, assim, conseguir lidar com as incertezas do mundo social.


Isto indica que uma das etapas mais importantes da análise sociológica do Distanciamento Social constitui a compreensão da percepção individual da COVID-19. A forma como as pessoas processam subjetivamente o risco de ser contaminado pelo vírus constitui uma espiral vertiginosa de medo, rumores, negação, busca de culpados... E, consequentemente, a maneira como reagem não é resultado somente da desinformação, mas uma combinação específica de fatores cognitivos e sociais. O entendimento das percepções subjetivas da COVID-19 é importante porque afeta diretamente a forma como as pessoas experienciam o Distanciamento Social.

É por isto que quando uma Situação de Emergência ocorre, algumas pessoas se desesperam, outras se tornam eficazes, mas a maioria se mostra indiferente. Este processo está relacionado ao fato que a maioria das pessoas se recursa a acreditar que se encontra numa Situação de Emergência. Isto acontece porque quando estamos diante do risco, tentamos não vê-lo. É isto que explica a negligência das pessoas que podem adotar e não adotam o Distanciamento Social suposta pela Matriz Analítica proposta pelo Dr Spiess aqui no NET. Este processo acontece em função de um fenômeno cognitivo conhecido cientificamente como Viés de Normalidade.


O Viés de Normalidade constitui a tendência a subestimar os possíveis efeitos negativos das Situações de Emergência. Mais precisamente, refere-se a crença deliberada de que as coisas acontecerão no futuro da maneira como normalmente aconteceram no passado. Isto implica que tanto indivíduos quanto organizações tendem a acreditar nas opções menos alarmantes sempre que são recebam informações conflitantes sobre o perigo; e mesmo quando as informações são inequívocas, existe tendência a aguardar confirmação de fontes alternativas antes de adotar alguma ação protetora. Por isto, as instruções devem ser sempre oportunas, repetidas e inequívocas.


A influência deletéria do Viés de Normalidade se materializa, principalmente, na dificuldade das pessoas adotarem o Distanciamento Social. Aqui não estamos nos referindo apenas ao processo de Isolamento Horizontal (Confinamento Social); mas, principalmente, a adoção de medidas básicas de precaução como, por exemplo, a utilização de máscaras e a manutenção de distância mínima (Medidas de Segurança). Obviamente, existem muitas explicações para o posicionamento do indivíduo diante do risco. Neste sentido, para entender o Distanciamento Social podemos destacar duas principais: a) Teoria do Choque; b) Teoria do Autoengano; c) Teoria Cognitiva.


a) Teoria do Choque: estabelece que algumas pessoas ficam paralisadas em situações de stress intenso. Isto significa que risco de uma Situações de Emergência demora um tempo variável para ser adequadamente avaliado pelas pessoas. Até mesmo pessoas muito bem treinadas e bem informadas tem sua perspicácia cognitiva e habilidade física significativamente comprometidas sob condições de extrema pressão. Assim, diante de uma forte ameaça as pessoas podem se tornar instintivamente passivas. Portanto, deste ponto de vista o Viés de Normalidade é um comportamento completamente previsível.


b) Teoria do Autoengano: estabelece que algumas pessoas não conseguem individualizar o risco. O entendimento de Situações de Emergência, frequentemente, exige inferências complexas devido ao ritmo acelerado de acontecimento dos eventos. Por isto, as pessoas, frequentemente, buscam informações e opiniões que reforçam a percepção de que está tudo bem. Assim, por um lado, as pessoas acabam subestimando a probabilidade de ser impactado; mas também, por outro, as consequências negativas das ações pessoais. Embora conheçam os alertas e as recomendações poucas coisas conseguem convencer que estão em perigo.


É bem provável que a explicação mais plausível para a dificuldade em lidar com a COVID-19 seja uma combinação específica destes dois fatores em cada contexto social. Afinal, como todo viés cognitivo também o Viés de Normalidade constitui um erro de raciocínio provocado pela tentativa de manutenção das crenças mesmo diante de evidências contrárias. Frequentemente, estão relacionados à memória, raciocínio, a lembrança e tomada de decisão. Neste sentido, a resistência a adoção das medidas Distanciamento Social decorre da suposição de que o risco de contaminação no contato social é baixo e que os efeitos da doença não são graves.


ree

Parece, assim, que a explicação mais razoável da dificuldade de adoção das medidas de Distanciamento Social seja um subproduto necessário das nossas limitações cognitivas. Mais precisamente, como o tempo e a capacidade de processamento de informações das pessoas são limitados, os humanos se valem de heurísticas que são propensas a falhas. Isto indica os problemas do Distanciamento Social resultam do uso de estereótipos sobre a COVID-19 que minimizam o risco de contágio. Estes estereótipos permitem as pessoas processar rapidamente grandes quantidades de informações rapidamente, porém distorcem a percepção do fenômeno.


Portanto, o Viés de Normalidade afeta diretamente a eficácia do Distanciamento Social na gestão da COVID-19. Afinal, ele dificulta a avaliação dos riscos potenciais do Coronavírus. Isto acontece porque as pessoas subestimam o risco de serem contaminadas e de não serem adequadamente atendidas. Este processo resulta da tentativa de evitar informações negativas que forcem a revisão das crenças (Efeito Avestruz). Neste sentido, acaba bloqueando a percepção dos efeitos positivos provocados pela redução da intensidade das interações sociais. Ou seja, a normalização da irresponsabilidade ajuda a explicar porque a maioria das pessoas não se protege adequadamente.

 
 
 

Me. Leandro Ludwig

Universidade Regional de Blumenau

lludwig@furb.br


A concentração populacional em ambientes urbanos é um processo que se intensifica com o passar dos anos. Primeiro com a migração do campo para a cidade, agora com o super adensamento dos espaços urbanos. Tal fato tem sido intensificado e desejado, tanto para tornar as infraestruturas mais eficientes quanto para aumentar as dinâmicas urbanas. Se por um lado o planejamento urbano vem sendo construído para preparar as cidades para comportar essa concentração, por outro lado, o surgimento do Covid-19 lançou um alerta sobre a fragilidade com que os espaços urbanos vêm sendo pensados e construídos. A necessidade global de manter as pessoas em distanciamento social, reflete como as cidades não estão minimamente preparadas para o Covid-19. Isso porque a principal resposta tem sido a supressão da vitalidade urbana, a ideia de que a cidade viva e pulsante é uma aliada do vírus.


Mais grave é o fato de a sociedade ter que empregar esforços para combater a vitalidade urbana. Até que se encontre uma vacina definitiva para o Covid-19, a cidade com poucas pessoas na rua e com atividades espacialmente dispersas será a cidade segura e desejada. Assim, a cidade se tornou mais que apenas um campo de guerra contra o vírus. Enquanto não surgir uma vacina, os sinais vitais da cidade serão combatidos para que não funcionem. Se antes do Covid-19 a concentração de pessoas e atividades garantiam mais segurança pública e eficiência urbana. Após o surgimento do vírus essa realidade é simetricamente oposta. A solução tem sido reprimir a vitalidade urbana até um ponto de equilíbrio que garanta o mínimo de saúde pública. Pensar na vitalidade urbana como uma variável que deve ser reprimida é algo inédito na história do pensamento urbanístico.


Metaforicamente, a urgência da pandemia fez com que os tomadores de decisão passassem a agir como médicos que reduzem as funções vitais do paciente para mantê-lo vivo. As cidades foram colocadas em coma induzido. Assim, conforme se prolonga as medidas de distanciamento social e diminuição das funções urbanas, se agrava a recessão econômica. Esse cenário global tem colocado a saúde pública e a sustentabilidade financeira em lados opostos. Criou-se um dilema, diminuir número de contágio ou diminuir a recessão? Nesse sentido, enquanto os cientistas da saúde buscam o desenvolvimento de uma vacina, cabe aos cientistas da cidade o desenvolvimento de ações e estratégias que tornem a ideia de vitalidade urbana aliada no combate ao Covid-19. Sendo fundamental entender qual a capacidade da cidade absorver determinadas dinâmicas urbanas sem que se comprometa a segurança.


Os recentes eventos provocados pelo Covid-19 inseriram novos pesos e variáveis nos conceitos que estão a tempos consolidados no pensamento urbanístico. Os princípios que antes do Covid-19 estavam embasados por variáveis conhecidas, passaram a ser questionados e modificados por novas variáveis introduzidas pelo vírus. Assim, para converter a vitalidade urbana em aliada nessa pandemia, é preciso compreender os novos conceitos, principalmente as ideias de distanciamento social (antes ideia de punição e castigo) e de mobilidade difusa (antes ideia de deslocamento ineficiente). Agora, uma cidade que possibilite o deslocamento disperso e evite aglomerações é eficiente e desejada. Uma cidade que possibilite o afastamento social, com menor impacto em suas funções vitais, é uma cidade tão viva e inteligente quanto as cidades dos hubs e coworkings.


Neste sentido, o desafio central para o pensamento urbanístico tem sido desenvolver soluções locais que possibilitem que a vitalidade urbana ocorra em conjunto com o achatamento da curva de contágio e recessão. Com o surgimento do Covid-19, não se trata apenas de gerar vitalidade urbana para as cidades. Agora é preciso gerar mecanismos locais de vitalidade urbana segura para as pessoas, que articulem principalmente os preceitos de distanciamento social e mobilidade difusa. Isso não significa idealizar uma vitalidade urbana sem contágio, que permita a volta da normalidade da vida urbana em plena pandemia. Pelo contrário, significa compreender qual o grau de vitalidade que uma cidade pode estabelecer, para conviver com o risco até que a sociedade receba a vacina. Parte-se do pressuposto que nem todas as regiões possuem a mesma capacidade para manter o distanciamento social.


A solução para achatar a curva de contágio do Covid-19, por meio do distanciamento social, resulta em desligar temporariamente os aparelhos econômicos e sociais que mantem as cidades vivas. Ao reduzir os sinais vitais das cidades se amplificam os outros problemas urbanos, que já eram urbanisticamente difíceis de combater antes da pandemia. Neste sentido, o grande desafio da humanidade se trata de, por um lado, desenvolver a vacina (solução definitiva do problema do Covid-19) e, por outro lado, desenvolver mecanismos que permitam identificar qual o grau de vitalidade urbana é possível estabelecer para conviver com o risco do Covid-19 enquanto não existir vacinas (solução para conviver com o problema). Com a intensificação do dilema saúde/recessão, quanto mais a vacina demorar, mais urgente se tornará a necessidade por soluções locais de vitalidade urbana segura.



ree


Entre a curva do contágio e da recessão, não considerar a possibilidade de formas seguras de vitalidade urbana decorre no risco político de liberação das funções urbanas sem garantia alguma de segurança (perspectiva brasileira). Vão-se os anéis, os dedos e as pessoas. Como a literatura aponta, as políticas de contenção pautadas no distanciamento social permitem achatar a curva de contágio, porém amplificam a curva de recessão. Já os pacotes econômicos de emergência permitem achatar a curva de recessão frente ao distanciamento, mas não são viáveis em todas as regiões e podem provocar outras crises. Neste cenário, pensar localmente sobre a capacidade de absorção segura dos espaços urbanos permite estabelecer quais funções sociais propiciam o mínimo de vitalidade urbana e, ao mesmo tempo, o mínimo de propagação do contágio.


Se trata, portanto, de estabelecer localmente qual a capacidade que o espaço urbano possuí para absorver de forma segura determinadas dinâmicas urbanas (e quais são estas dinâmicas). De certo modo, essa capacidade de suporte do espaço urbano já vem sendo definida conforme as atividades vão sendo liberadas ou restringidas pelos governos. Entretanto, essas definições ocorrem de acordo com pressões e motivações de caráter político, sem estudos urbanos que indiquem a relação entre a atividade e o contágio. A definição da capacidade de absorção segura dos espaços urbanos frente ao covid-19, deveria ocorrer por meio de estudos e análises urbanas locais (conforme características morfológicas, demográficas e sociais de cada cidade). Porém, ao menos três questões devem ser tratadas para que seja possível começar a pensar em soluções locais de vitalidade urbana segura:

Questão 01: quanto menor a capacidade do governo em aplicar pacotes econômicos para frear a recessão, mais urgente a necessidade de identificar a capacidade das cidades absorverem de forma segura determinadas dinâmicas urbanas. Países como EUA e Alemanha possuem capacidade de enfrentamento e de suporte para manter ou encurtar o distanciamento social diferente de Congo e Haiti.

Questão 02: quanto mais elevado for o padrão de desenvolvimento, mais fácil será para identificar a capacidade das cidades absorverem de forma segura determinadas dinâmicas urbanas. Diferença Alemanha/Haiti.

Questão 03: A negação do vírus e/ou a defesa da volta à normalidade em plena pandemia, operam como impeditivos para pensar em alternativas para conviver com o risco de forma segura (cenário Brasil). Como pensar em formas seguras de conviver com o risco, se os tomadores de decisão não aceitam a relevância do risco?

 
 
 
  • White Facebook Icon
  • White YouTube Icon
bottom of page