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Prof. Dr. Eduardo Augusto Werneck Ribeiro

Instituto Federal Catarinense

eduardo.ribeiro@ifc.edu.br


O debate que evolve as estratégias de enfrentamento para o COVID19, implica além do tensionamento entre o isolamento/distanciamento social e volta gradual da circulação das pessoas e serviços, leituras da dinâmica espacial que a pandemia vem nos colocando. Neste sentido, uma pergunta geográfica deve ser incluída neste debate: quais são os circuitos espaciais que a transmissão já materializou?


O médico John Snow, ainda no século XIX ao enfrentar a epidêmica da Cólera, buscou pela cartografia responder esta questão. Ao identificar os casos no mapa da cidade, encontrou uma relação de dependência espacial entre o número de enfermos/mortes pela proximidade de bombas pública de água para a população.


O mapa foi fundamental para identificar não apenas o enfrentamento do patógeno. Mas revolucionou também a forma como estabelecer um plano de contingência para problemas de saúde pública e para conhecimento, agora a escala era microscópica. Passados quase 200 anos, estamos diante de uma um novo dilema que exige uma articulação do conhecimento em suas várias escalas (do microscópio, do corpo chegando ao satélite).


A cartografia tem um o viés da comunicação que constitui a síntese. Neste sentido, cabe a nós formularmos modelos geográficos a partir das informações que estão disponíveis. O avanço tecnológico ampliou a oferta de técnicas e modelos geoestatisticos para a construção de mapas mais realistas e céleres para comunicação e difusão do conhecimento.


Um grupo de geógrafos do Brasil (de várias instituições) através do mapeamento, com muitas trocas de informações das diferentes realidades no Brasil, busca encontrar metodologias para uma leitura espacial desta pandemia. A partir desta experiência coletiva, apresento um ensaio de um modelo da circulação da transmissão do COVID19 em Santa Catarina. É uma primeira versão com os dados divulgados de até o dia 5/3.


A metodologia foi construída com base em três estudos do IBGE:

1) Arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil (2016);

2) Regiões de Influência das Cidades - (REGIC 2018) – Divulgação preliminar – Temática de saúde;

3) Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação (2017);


Somando-se aos dados fornecidos pela Secretaria do Estado de Saúde - casos confirmados COVID19. Georreferenciamos as informações em um banco de dados. Cada informação municipal foi interpolada e o resultado permitiu construir 4 mapas que mostram:


a) Os casos em volume estão concentrados na faixa costeira do estado de SC. Apesar de haver 4 focos constatados com datas próximas (1 no Oeste, 1 centro-Serrano e 2 no litoral), o contágio no litoral é mais intenso e está na fase comunitária de transmissão;


b) A intensidade do contágio no litoral se explica pela concentração urbana e o fluxo, segundo o IBGE, SC tem 10 regiões com características de densidade e mobilidade intraurbana (movimento pendular - fluxo rodoviário), além de concentrar recursos financeiros e hospitalares tais como leitos e equipamentos. Existe uma capacidade instalada, o que não se pode conferir nas duas regiões que englobam o modelo, caso o perfil do número de casos venha a se comportar como o do litoral.


c) É possível identificar três dinâmicas espaciais: a1) a primeira é relacionada a doença ainda está represada nos centros urbanos, no entanto, já circula nas cidades pequenas, principalmente com população predominantemente rural; a2) a segunda é que existe pouca incidência no centro do Estado, o que nos abre outras hipóteses quanto mobilidade com o litoral ou intraurbana; a3) a terceira é referente aos municípios denominados pelo IBGE como rurais. Estas sofrerão com a logística do atendimento especializado (distância ao centro de referência).


d) Com sinais de flexibilização da quarentena, Chapecó terá um papel fundamental no enfrentamento da COVID19 no oeste do estado. Diferentemente das demais áreas de concentração urbana, onde se concentra a maioria os casos confirmados, Chapecó é centro regional com grande atrativo na prestação de serviços de média a alta complexidade médica. Além do mais, é circunscrita numa área que mais concentram municípios rurais de SC, com as características logísticas anteriormente descritas.


e) Tendo em vista que a produção agropecuária é motor econômico da região, a mesma conta com uma malha rede rodoviária densa e com conexões com áreas onde o vírus circula na forma comunitária (litoral e SP). Este cenário é preocupante. Este modelo é comparativo e segue ao que já se constatou para SP, especificamente para o interior paulista. A difusão a partir do modelo hierárquico, centro para cidades pequenas. Inclusive já noticiado por vários veículos da imprensa.


f) Percebe-se que a região serrana de SC vem se comportando como uma zona de transição. Precisamos acompanhar a dinâmica dos dados para entender essa transição.


g) A dinâmica espaço-temporal do modelo mostra que a transmissão acontecerá no oeste de forma independente do litoral.


Para o cenário de enfrentamento, precisamos de mais ciência e informações. O mapa é um recurso que permite além da visualização, conjecturar possiblidades e estratégias. É notório o papel de instituições de ensino e pesquisa na busca de soluções para a pandemia. A produção do conhecimento deve subsidiar as ações de controle do COVID19. O cenário de Santa Catarina é peculiar em relação ao Brasil. A heartland (termo cunhado pelo geopolítico Halford John Mackinder) do oeste catarinense, será a chave para a gestão da pandemia no estado.


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  • 8 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura

Dr M. Mattedi Universidade Regional de Blumenau mam@furb.br


De decreto em decreto, de notícia em notícia, de meme em meme vamos lentamente nos acostumando ao Distanciamento Social. Ao mesmo tempo em que vamos ajustando nossas práticas diária ao Distanciamento Social, vamos adotando o Distanciamento Social para descrever essas práticas. E a medida que o Distanciamento Social se estabelece cotidianamente parece, até mesmo, que conseguimos viver sem escolas, sem igrejas, sem esportes, sem bares, sem festas... Porém, embora a expressão Distanciamento Social tenha sido adotada pelo governo, os meios de comunicação de massa e as mídias sociais ela é enganosamente simples.


É que o Distanciamento Social evoca a crença de que quanto mais isoladas estiverem as pessoas mais seguras elas devem estar. Esta ideia deriva do protocolo fixado pela OMS que parte do pressuposto que o ritmo de propagação do vírus constitui uma propriedade da intensidade das relações sociais. Afinal, quanto menor a quantidade de contatos diretos que uma pessoa estabelece, menor o risco de contaminação. Visa, neste sentido, retardar o ritmo de contaminação da população interrompendo Efeito Dominó. Trata-se, assim, de achatar a curva de contaminação para evitar a capacidade de suporte do sistema de atendimento de saúde.


Como a disseminação se estabelece pelo contato direto a ideia por trás do Distanciamento Social parece simples: quanto maior a distância entre as pessoas, menor a probabilidade de contágio. Mas, paradoxalmente, quando aceitamos em manter uma distância segura ou evitamos aglomerações estamos sendo, na verdade, socialmente muito colaborativos. É que para as medidas de prevenção serem eficazes coletivamente é necessário o comprometimento individual. Portanto, para entender este paradoxo é preciso examinar duas dimensões associadas ao Distanciamento Social: a) Isolamento Físico; b) Reciprocidade Normativa.


a) Isolamento Físico: refere-se a manutenção de uma separação física entre as pessoas. Trata-se de reduzir a probabilidade de uma determinada pessoa infectada entrar em contato direto com uma pessoa não infectada. Em termos práticos isto envolve, principalmente, o fechamento de escolas e locais de trabalho, e a restrição de movimentos de pessoas e cancelamento de reuniões. Porém, nem todos indivíduos têm as mesmas condições sociais de respeitar o Distanciamento Social. Por isto, é preciso assinalar que existe uma variação individual muito grande na capacidade das pessoas lidarem com as implicações psicológicas e econômicas do Isolamento Físico.


b) Reciprocidade Normativa: diz respeito a importância da coesão social. Para o Efeito Dominó ser contido socialmente as normas, valores e práticas compartilhadas pela comunidade devem ser revistas e ampliadas. Afinal, sabe-se que as comunidades onde os indivíduos vivem tem impacto sobre a sua saúde. Assim, o efeito do Distanciamento Social depende muito do compromisso dos membros com o respeito das medidas. Desta forma, envolve aproximação, familiaridade e empatia com o esforço coletivo de contenção da doença na comunidade. E, consequentemente, depende do envolvimento e da cooperação ativa da comunidade.


Portanto, o Distanciamento Social depende, simultaneamente, da diminuição os contatos diretos (Separação Preventiva), mas também do aumento dos contatos indiretos (Integração Protetora). Assim, por um lado, depende do compromisso voluntário individual: cada pessoa precisará mudar suas rotinas diárias; por outro, depende da formação de um consenso coletivo: a sociedade precisa proteger os indivíduos mais vulneráveis. Ou seja, implica o reconhecimento que a proteção do indivíduo depende do coletivo, e a proteção coletiva depende do indivíduo. Portanto, para o Isolamento Físico ter efeito é preciso que o Reciprocidade Normativa seja respeitado.


Assim, contraintuitivamente, a confrontação da COVID-19 implica o fortalecimento e não o enfraquecimento das interações sociais. Isto acontece porque a letalidade da COVID-19 constitui uma propriedade do Capital Social disponível: quanto maior fortes forem os laços solidariedade existentes num território, menor o número de mortos tende a ter. Por isto, é preciso diminuir os efeitos da Recessão Social e, inversamente, aumentar o Capital Social: o impacto da COVID-19 está diretamente relacionado à coesão de cada comunidade. Afinal, a experiência acumulada indica que os laços sociais são fundamentais par superar situações de emergência.


A forma como as dimensões física e normativa do Distanciamento Social se relacionam constitui um problema que atravessa o desenvolvimento da abordagem sociológica. A resposta desta questão passa pelas pesquisas relativas à relação entre a parte (micro = indivíduo) e o todo (macro = coletivo). Trata-se, nesse sentido, de saber em que medida a localização espacial dos corpos afeta o compromisso moral dos indivíduos. É que as situações de copresença não são somente de ordem material (física), mas também de ordem simbólica (percepção). Afinal, embora todas as epidemias sempre começam individualmente sempre terminam coletivamente.


Isto significa que por Distanciamento Social devemos compreender, simultaneamente, o Isolamento Físico, mas também, Reciprocidade Normativa. Afinal, a pesquisa em sociologia dos desastres naturais ensina que as comunidades mais resilientes são aquelas que possuem fortes redes sociais. Por isto, não pode ser reduzido a dimensão espacial, mas deve contemplar também a dimensão normativa. Assim, se no nível individual, a violação do Distanciamento Social constitui uma negligência moral que coloca a vida das outras pessoas em risco; no nível coletivo, a falta de assistência protetora de um grupo vulnerável ameaça a segurança individual.


O Distanciamento Social constitui uma das estratégias mais básicas, mas também mais disruptivas de gestão da saúde pública. Isto acontece porque o Distanciamento Social opera dentro das relações sociais, ao mesmo tempo, afastando e aproximando as pessoas. Assim, para conter o Efeito Dominó alinha e combina, simultaneamente, o longe da distância vivida (física) e o próximo da distância percebida (normativa). Está embutido tanto nos lugares quanto nas práticas sociais compartilhadas e desta forma, acaba mediando as experiências individuais e coletivas. Portanto, redefine a ordem social existente e testa a capacidade humana de cooperação.

 
 
 
  • 6 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura

Dr M. MATTEDI Universidade Regional de Blumenau mam@furb.br


Os seres humanos evoluíram para se sentirem mais seguros vivendo em grupos. Por isto, os grupos sociais são organizados para proteger, ao mesmo tempo, os interesses individuais e coletivos dos membros. Neste sentido, o contato social fornece um sistema de coordenadas sociais que facilita o processo de sociolocalização individual. Essa é uma característica ainda muito marcante nas sociedades modernas tanto nas organizações primárias (familiares, amizades), quanto secundárias (escolas, igrejas, trabalho). O resultado deste processo é que, invariavelmente, tendemos a experimentar o isolamento social como uma situação negativa.


Por isto, desde o início do Distanciamento Social as histórias sobre como viver sem contato social direto se multiplicam nas mídias sociais: “Trabalhe em casa”, “estude em casa”, “coma em casa”... “Leia seus livros preferidos”, “assista seus filmes preferidos”... Porém, estes relatos contrastam com a maneira como a maior parte da população experimenta a situação de Distanciamento Social. Isto acontece porque as condições no qual se estabelece o Distanciamento Social são socialmente desiguais. Quando estamos doentes ficamos em casa para diminuir o contato social, porém o que realmente acontece quando precisamos diminuir o contato social para não ficar doentes?


Sabemos que a intensidade das interações sociais dos grupos sociais constitui uma propriedade elementar do contato social. Por isto, o pressuposto básico do Distanciamento Social constitui a restrição do contato direto entre os indivíduos para reduzir o ritmo de propagação do vírus. Afinal, quanto menor o contato direto, menor o risco de contaminação. Em termos práticos significa que ficar em casa ou, inversamente, evitar espaços públicos e reuniões sociais. Este processo nos leva a uma questão sociológica inquietante: diante da grande variação de condições de vida, quais são as implicações da aplicação de uma solução geral?


As evidências disponíveis indicam que as medidas de isolamento social acabaram desencadeando um processo de Recessão Social. A Recessão Social diz respeito a diminuição da intensidade das relações sociais diretas. Neste sentido, indica uma condição social na qual a intensidade das interações das relações sociais diretas converteu-se num risco. Isto significa que a intimidade e a proximidade não são mais expressão de solidariedade: quanto menos os membros de um grupo interagem, mais se seguro o membro se encontra. Este processo provoca uma redefinição tanto do padrão de funcionamento interno quanto externo dos grupos sociais.


Isto acontece porque o Distanciamento Social é uma condição de vida socialmente excepcional. As duas principais situações mais comuns no qual os indivíduos são sujeitos ao Distanciamento Social constituem, principalmente, o encarceramento e o adoecimento. E em ambas as situações os indivíduos são submetidos involuntariamente ao isolamento social. Afinal, se as pessoas não estiverem presas ou doentes, não haveria restrição da mobilidade e o impedimento da comunicação. Neste sentido, o Distanciamento Social tem pelo menos dois efeitos diretos que precisam ser explorados sociologicamente: a) Mobilidade Espacial; B) Comunicação Informal.


a) Mobilidade Espacial: os efeitos do confinamento dos indivíduos ao espaço doméstico por um período longo tempo. Isto acontece porque o medo de contaminação redefine as relações dos indivíduos com o espaço público. Reduz os movimentos urbanos diários constantes relacionados, principalmente, a relação entre a distribuição da população urbana e as atividades produtivas no território. É que a distância do deslocamento se tornou um fator de risco: quanto mais distante o deslocamento, maior o número de contatos. Portanto, o bloqueio da movimentação da população provocado pelo Distanciamento Social redefine a centralidade dos lugares.


b) Comunicação Informal: os efeitos da diminuição dos contatos informais devido ao medo de contágio. A Comunicação Informal é fundamental porque por meio da comunicação os seres humanos conseguem definir quem são e como se relacionar socialmente. Já isto acontece porque quando nos comunicamos calibramos o que fazemos em relação ao que os outros fazem e, assim, acabamos produzindo um mundo social comum. Neste sentido, o Distanciamento Social acaba dificultando a interpretação mútua das ações. Portanto, a diminuição da comunicação informal provocada pela redução dos contatos diretos enfraquece os laços sociais.


Portanto, o efeito combinado da redução da Comunicação Informal e da Mobilidade Espacial são um materializam o processo de Recessão Social. Neste sentido, os efeitos emergentes do Distanciamento Social têm implicações analíticas mais amplas. Afinal, as formas de abordagem sociológicas a Distância Social o contato é central na análise. Assim, tanto nas teorias baseadas no Paradigma do Conflito (a abordagem da G. Simmel baseada na Dimensão Física) quanto para as teorias baseadas no Paradigma do Consenso (abordagem de R. Park e E. Bogardus baseado na Dimensão Simbólica) a distância são fundamentais no entendimento dos acontecimentos sociais.


A Recessão Social desvaloriza a vida pública e revaloriza a vida doméstica dos grupos sociais. Na Relação Externa este processo aumenta a dependência da internet, enquanto na Relação Interna intensifica a vida familiar. Estes efeitos possibilitam duas contatações sociológicas principais: a) Distância Física: a segurança do sedentarismo, substitui a liberdade da mobilidade; b) Distância Simbólica: a segurança da distância, substitui a confiança do contato. Assim, paradoxalmente, enquanto do ponto de vista da Mobilidade, quanto mais perto mais seguro; do ponto de vista da Comunicação, o processo é inverso, quanto mais longe mais seguro.


A teoria sociológica indica que a frequência e a intensidade de contatos entre os membros são os preditores da força das relações num grupo social. Neste sentido, o fenômeno da Recessão Social tende a redefinir a dinâmica de funcionamento dos grupos sociais: quanto mais longo for o Distancia Social, maior o impacto nos grupos sociais. Trata-se, neste sentido, de examinar os impactos nas dimensões interativas, normativas e afetivas provocadas pela Recessão Social. Nossa hipótese, portanto, é que os efeitos devem estar linearmente relacionados. Dito de outra forma, o isolamento físico deve ter um efeito similar ao isolamento simbólico.

 
 
 
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