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Dr. M. MATTEDI

Universidade Regional de Blumenau


O papel higiênico é o ícone da COVID-19. É que em todos os lugares submetidos ao Distanciamento Social o papel higiênico acabou desaparecendo das prateleiras dos supermercados. E enquanto o Distanciamento Social não acaba os especialistas testam suas hipóteses: a) Hipótese do significado: o papel higiênico simbolizaria controle; b) Hipótese emocional: o papel higiênico seria uma resposta ao stress; c) Hipótese da utilidade: o papel higiênico nunca venceria; d) Hipótese da percepção: a falta papel higiênico chamaria mais atenção. Cultura, emoção, economia, fisiologia... Porém, tudo indica a explicação é muito menos prosaica que isso.


Na verdade, a explicação para onda de estocagem está relacionada a excepcionalidade das pandemias. É que as pandemias são situações necessariamente muito raras - caso contrário já teríamos desaparecidos. Ocorre que a maior parte das pessoas não pode contar com a experiência para lidar com o Distanciamento Social. Por isto, têm uma sensação de que as coisas nunca mais serão como foram antes. Neste sentido, acabam sobredimensionando os efeitos negativos do Distanciamento Social. Assim, associado aos efeitos perniciosos do Viés de Normalidade no Distanciamento Social encontram-se também os efeitos do Viés de Anormalidade.


O Viés de Anormalidade (Overcorrections Bias) constitui estado de espírito em que todo acontecimento se torna um sinal de destruição iminente. Apesar das observações estatísticas de regressão a média indicarem que a maioria dos desvios de normalidade não leva à catástrofe, as pessoas consideram sempre a pior situação. Ou seja, a ameaça deixa de ser uma condição probabilística e se torna possibilista. É por isto que as pessoas tomam como referência de ação sempre o cenário mais extremo possível. Neste sentido, trata-se do fenômeno cognitivo inverso do Viés de Normalidade. A principal explicação para o Viés de Anormalidade na COVID-19 é o pânico.


O pânico constitui um sentimento de medo e ansiedade esmagador. Frequentemente, começa quando uma negociação entre o que pensamos do mundo e o que é o mundo dá errado. Existem muitos exemplo de pânico, tanto em termos individuais quanto coletivos, mas talvez o mais emblemático tenha sido o experimento de Orson Wells The War of the Worlds. A consideração do pânico é importante porque como um vírus ele também é infeccioso. Assim, as pessoas acreditam que numa Situação de Emergência devam ter uma resposta de emergência. No Viés de Anormalidade o pânico incide de duas formas: a) Teoria Fisiológica; b) Teoria Cognitiva.


a) Teoria Fisiológica: estabelece que o pânico está relacionado a anatomia do no cérebro. Diante de uma ameaça enquanto a amígdala que trata das emoções quer que saibamos do perigo imediatamente, o córtex frontal que lida com suas respostas comportamentais insiste pensarmos primeiro na situação. Em termos evolucionários a sobrevivência humana dependia tanto do medo quanto da ansiedade. Muitos animais selvagens ainda contam com isso para sobreviver. Portanto, o pânico começa quando uma negociação entre a amígdala (emoção) e o córtex central (razão) entram em curto circuito diante do desconhecido.


b) Teoria Cognitiva: estabelece que o pânico decorre da incapacidade das pessoas de avaliarem as situações de ameaça. Os seres humanos não são bons avaliadores do risco diante da incerteza. Isto muitas vezes nos leva a subestimar ou superestimar os riscos pessoais. Assim, mensagens inconsistentes de governos e da mídia sobre o Distanciamento Social acabam alimentando a ansiedade. Isto acontece porque não estamos acostumados a mudanças bruscas em nossas rotinas. E quando não temos um modelo de como lidar com uma ameaça, recorremos ao processo de imitação. Portanto, o pânico constitui uma quebra dos modelos.


Assim, por um lado, é o Viés de Anormalidade que faz as pessoas acreditarem estão menos preparadas para enfrentar a COVID-19 do que realmente estão. Mais precisamente, desencadeia uma corrida irracional para a aquisição de mantimentos, medicamentos, material de higiene, etc. Trata-se do medo do que acontecerá se não estiver bem abastecido. Sob essas circunstâncias, por exemplo, são bastante reduzidas as expectativas de disponibilidade de máscaras de proteção para toda a população. O que no limite pode levar a população a saques generalizados ou a eclosão de distúrbios. Portanto, as pessoas nunca se sentem suficientemente preparadas.


E, por outro, o Viés de Anormalidade também faz as pessoas se sentirem mais inseguras que realmente estão. É por isto que, muitas vezes, toda situação de contato direto entre pessoas é motivo para pânico. O medo incentiva as pessoas a abordar as interações com as pessoas como um potencial contágio e uma ameaça para a sua segurança. Afinal, se a única forma eficaz de reduzir o risco de infecção é manter distância de outras pessoas, toda aproximação se converte em risco a saúde. Assim, muitas pessoas deixam de ser assistidas por medo excessivo, estigmatização ou xenofobia. Portanto, embora as pessoas estejam protegidas elas nunca estão distantes suficiente.


Neste sentido, as consequências mais sérias do Viés de Anormalidade dizem respeito, no entanto, a nossas percepções da ameaça. O efeito do combinado do medo de não estar preparado com o medo de não estar seguro suficiente gera pânico. E pânico gera pânico... E foi através do pânico as pessoas criaram escassez de papel higiênico e se sentem inseguras. O Medo do Desconhecido deixa as pessoas num estado de alerta permanente. Portanto, o pânico acaba desencadeando um comportamento não-social porque desintegra as normas sociais. Isto explica os efeitos ambivalentes do Distanciamento Social como estratégia de confrontação da COVID-19.


Pode-se dizer, portanto, que o Viés de Anormalidade constitui uma espécie de exacerbação do Princípio de Precaução. Em termos práticos esta exacerbação se exprime na dramatização da incerteza e na busca desesperada por controle. Neste sentido, o aumento da cobertura da mídia dificulta ainda mais imaginar o que está acontecendo devido a sobrecarga de informação. Afinal, a disponibilidade de informações interfere na forma como lembramos de algo. E quanto mais comuns são as referências a um fenômeno, mais sério pensamos que efetivamente ele é. Portanto, o Viés de Anormalidade pode ser afetado pela intensificação do sentimento de insegurança existencial.


As pandemias são verdadeiramente raras. E, como não poderia deixar de ser, nossas experiências com as pandemias também são raras. Por isto, as pessoas não têm nenhum parâmetro em que possam se basear. E é por isto também que na COVID-19 algumas pessoas tendem a reagir forma excessivamente prudente. Assim, acabam tendo a impressão de que nunca estão suficientemente seguras e preparadas. Por isto, não custa lembrar que se as pandemias são raras, o Medo do Desconhecido, ao contrário, é um velho conhecido nosso. Portanto, não podemos esquecer que nossas expectativas em relação ao futuro são moldadas por nossas experiências.


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