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Prof. Dr. Maiko Rafael Spiess

Universidade Regional de Blumenau


A polarização do debate sobre as políticas e práticas individuais de isolamento social simplificam uma discussão complexa. Uma análise sociológica mais detalhada irá revelar não somente duas posições radicalmente distintas e opostas, mas uma série de obstáculos, condicionantes e oportunidades que determinam as escolhas de indivíduos em um contexto de alta incerteza. É simplória a retórica que divide as pessoas entre a conformidade e a não-conformidade absolutas. Mais correto é analisar a determinação mútua entre a estrutura de oportunidades sociais e as escolhas individuais, e seus efeitos para o isolamento social.


Em um texto recente, Marcos Mattedi sugere que o Distanciamento Social pode ser compreendido pela inter-relação entre o Isolamento Físico (a manutenção de uma separação física entre as pessoas) e a Reciprocidade Normativa (o compromisso social com as medidas de isolamento). Ou seja: o Distanciamento Social dependeria tanto de condições materiais, financeiras e práticas, quanto de um alto grau de coesão social e comprometimento individual. Inversamente, o ato de ignorar as práticas de isolamento poderia ser determinado pela impossibilidade física de separação e pela baixa disposição individual em fazê-lo.


Para melhor exemplificar essa proposição, tomando como inspiração os trabalhos de Robert K. Merton sobre a anomia e de Howard S. Becker sobre desvio, podemos imaginar uma matriz de posições possíveis para o Distanciamento Social (abaixo), criando uma tipologia das posturas individuais para a classificação e análise sociológica:


Matriz de oportunidades e escolhas do Distanciamento Social



Em primeiro lugar, vejamos o que querem dizer as posições na matriz acima.


Pode se isolar: diz respeito aos indivíduos ou famílias que podem realizar suas atividades profissionais remotamente, que possuem uma moradia propícia para o distanciamento, que podem reduzir sua presença em aglomerações (por exemplo, por meio de compras online), que possuem recursos para não depender de transporte coletivo, etc.


Não pode se isolar: são os indivíduos que exercem atividades profissionais essenciais ou que não possuem condições para trabalhar a partir de casa, que necessitam de transporte coletivo ou cujo local de moradia não permite isolamento. Em linhas gerais, são aqueles cuja capacidade de escolha é restringida por questões estruturais.


Quer se isolar: aqui se encontram as pessoas que aderem às práticas de distanciamento e isolamento, por respeito às determinações oficiais, por perceberem o risco e por compromisso e solidariedade com o bem coletivo - em outras palavras, aqueles que estão normativamente integrados ao Distanciamento Social, politicamente e moralmente.


Não quer se isolar: inversamente, esta é a posição dos que não se sentem motivados e inclinados a respeitar as recomendações de isolamento, seja por possuírem uma percepção diferente sobre o tema ou simplesmente por desconhecerem as minúcias científicas e políticas da questão.


Considerando essas posições possíveis temos as seguintes combinações:


A) Pode se isolar/Quer se isolar: aqui temos a combinação ideal entre as condições práticas, materiais e econômicas e a disposição individual favorável ao distanciamento e isolamento social. Nesses casos, as práticas individuais são facilitadas e reafirmadas pela posição socioeconômica privilegiada, tornando o isolamento mais fácil. É possível supor que a experiência de distanciamento social transcorra de forma menos traumática para esse grupo e que, portanto, seja mais provável que consigam passar mais tempo em isolamento.


B) Não pode se isolar/Quer se isolar: nesta posição temos as pessoas que desejam praticar o isolamento por causa da COVID-19, mas não podem fazê-lo por obrigações profissionais, necessidades financeiras ou posição social. Temos aqui, portanto, um tipo de desvio involuntário em relação às normas do distanciamento. Essa situação pode levar a uma grande pressão psicológica, uma vez que o indivíduo não consegue atingir, em termos práticos, os objetivos que ele considera importantes (segurança, saúde etc.).


C) Pode se isolar/Não quer se isolar: aqui estão localizadas os indivíduos que teriam as condições materiais e sociais para o isolamento, mas que abertamente ignoram as recomendações oficiais e as evidências disponíveis sobre o tema. Ou seja, este é o perfil das pessoas que se expõem aos riscos de contágio, ainda que não tenham impedimentos práticos para isso. Portanto, é um desvio voluntário. Quem se encontra nessa situação (C) possivelmente irá se opor aos princípios de segurança valorizados pelos indivíduos A e B.


D) Não pode se isolar/Não quer se isolar: este é o caso limítrofe em que se sobrepõem a impossibilidade de minimizar a exposição ao risco e a baixa disposição (ou conhecimento) em relação ao isolamento e os cuidados sanitários. É possível imaginar que nesta posição estejam parcelas desassistidas da sociedade como, por exemplo, moradores de rua (que em situações normais já são pouco integrados à sociedade). Seu duplo afastamento dos princípios de distanciamento possivelmente potencializam suas chances de contágio.


Dessa forma, podemos concluir que o Distanciamento Social não opera apenas a partir da disposição individual para seguir um compromisso social. Na verdade, essa adesão é frequentemente bloqueada por obstáculos socioeconômicos. Em outro sentido, não são apenas as condições materiais que garantem segurança, uma vez que elas podem ser completamente inviabilizadas por um comportamento de risco. Finalmente, convém lembrar que a posição na matriz irá determinar a visão de um indivíduo a respeito das demais posições, levando a uma politização da conformidade e do desvio.


Outro tema importante é a relação entre a duração da emergência e a capacidade dos indivíduos de manterem suas condições objetivas e comprometimento com o isolamento preventivo. Afinal, levantamentos diversos já demonstram que as práticas de isolamento e a mobilidade durante a pandemia podem variar consideravelmente em um curto período de tempo. Assim, é possível pensar que a eficácia do distanciamento social ao longo do tempo passa pelo melhoria de suas condições práticas e simbólicas.


Portanto, nenhuma política de isolamento ou de retorno gradual das atividades sociais e econômicas estará completa sem um bom entendimento da distribuição das oportunidades e disposições em uma população. Neste sentido, as Ciências Sociais possuem um papel central para a compreensão das determinações sociais e dos padrões de comportamento individuais. É necessário que sejam produzidos dados não apenas sobre a mobilidade e isolamento, mas também sobre as possibilidades e disposições das populações afetadas. Caso contrário, diminuem as chances de uma política eficaz de isolamento.


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