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Dr M. Mattedi Universidade Regional de Blumenau mam@furb.br


De decreto em decreto, de notícia em notícia, de meme em meme vamos lentamente nos acostumando ao Distanciamento Social. Ao mesmo tempo em que vamos ajustando nossas práticas diária ao Distanciamento Social, vamos adotando o Distanciamento Social para descrever essas práticas. E a medida que o Distanciamento Social se estabelece cotidianamente parece, até mesmo, que conseguimos viver sem escolas, sem igrejas, sem esportes, sem bares, sem festas... Porém, embora a expressão Distanciamento Social tenha sido adotada pelo governo, os meios de comunicação de massa e as mídias sociais ela é enganosamente simples.


É que o Distanciamento Social evoca a crença de que quanto mais isoladas estiverem as pessoas mais seguras elas devem estar. Esta ideia deriva do protocolo fixado pela OMS que parte do pressuposto que o ritmo de propagação do vírus constitui uma propriedade da intensidade das relações sociais. Afinal, quanto menor a quantidade de contatos diretos que uma pessoa estabelece, menor o risco de contaminação. Visa, neste sentido, retardar o ritmo de contaminação da população interrompendo Efeito Dominó. Trata-se, assim, de achatar a curva de contaminação para evitar a capacidade de suporte do sistema de atendimento de saúde.


Como a disseminação se estabelece pelo contato direto a ideia por trás do Distanciamento Social parece simples: quanto maior a distância entre as pessoas, menor a probabilidade de contágio. Mas, paradoxalmente, quando aceitamos em manter uma distância segura ou evitamos aglomerações estamos sendo, na verdade, socialmente muito colaborativos. É que para as medidas de prevenção serem eficazes coletivamente é necessário o comprometimento individual. Portanto, para entender este paradoxo é preciso examinar duas dimensões associadas ao Distanciamento Social: a) Isolamento Físico; b) Reciprocidade Normativa.


a) Isolamento Físico: refere-se a manutenção de uma separação física entre as pessoas. Trata-se de reduzir a probabilidade de uma determinada pessoa infectada entrar em contato direto com uma pessoa não infectada. Em termos práticos isto envolve, principalmente, o fechamento de escolas e locais de trabalho, e a restrição de movimentos de pessoas e cancelamento de reuniões. Porém, nem todos indivíduos têm as mesmas condições sociais de respeitar o Distanciamento Social. Por isto, é preciso assinalar que existe uma variação individual muito grande na capacidade das pessoas lidarem com as implicações psicológicas e econômicas do Isolamento Físico.


b) Reciprocidade Normativa: diz respeito a importância da coesão social. Para o Efeito Dominó ser contido socialmente as normas, valores e práticas compartilhadas pela comunidade devem ser revistas e ampliadas. Afinal, sabe-se que as comunidades onde os indivíduos vivem tem impacto sobre a sua saúde. Assim, o efeito do Distanciamento Social depende muito do compromisso dos membros com o respeito das medidas. Desta forma, envolve aproximação, familiaridade e empatia com o esforço coletivo de contenção da doença na comunidade. E, consequentemente, depende do envolvimento e da cooperação ativa da comunidade.


Portanto, o Distanciamento Social depende, simultaneamente, da diminuição os contatos diretos (Separação Preventiva), mas também do aumento dos contatos indiretos (Integração Protetora). Assim, por um lado, depende do compromisso voluntário individual: cada pessoa precisará mudar suas rotinas diárias; por outro, depende da formação de um consenso coletivo: a sociedade precisa proteger os indivíduos mais vulneráveis. Ou seja, implica o reconhecimento que a proteção do indivíduo depende do coletivo, e a proteção coletiva depende do indivíduo. Portanto, para o Isolamento Físico ter efeito é preciso que o Reciprocidade Normativa seja respeitado.


Assim, contraintuitivamente, a confrontação da COVID-19 implica o fortalecimento e não o enfraquecimento das interações sociais. Isto acontece porque a letalidade da COVID-19 constitui uma propriedade do Capital Social disponível: quanto maior fortes forem os laços solidariedade existentes num território, menor o número de mortos tende a ter. Por isto, é preciso diminuir os efeitos da Recessão Social e, inversamente, aumentar o Capital Social: o impacto da COVID-19 está diretamente relacionado à coesão de cada comunidade. Afinal, a experiência acumulada indica que os laços sociais são fundamentais par superar situações de emergência.


A forma como as dimensões física e normativa do Distanciamento Social se relacionam constitui um problema que atravessa o desenvolvimento da abordagem sociológica. A resposta desta questão passa pelas pesquisas relativas à relação entre a parte (micro = indivíduo) e o todo (macro = coletivo). Trata-se, nesse sentido, de saber em que medida a localização espacial dos corpos afeta o compromisso moral dos indivíduos. É que as situações de copresença não são somente de ordem material (física), mas também de ordem simbólica (percepção). Afinal, embora todas as epidemias sempre começam individualmente sempre terminam coletivamente.


Isto significa que por Distanciamento Social devemos compreender, simultaneamente, o Isolamento Físico, mas também, Reciprocidade Normativa. Afinal, a pesquisa em sociologia dos desastres naturais ensina que as comunidades mais resilientes são aquelas que possuem fortes redes sociais. Por isto, não pode ser reduzido a dimensão espacial, mas deve contemplar também a dimensão normativa. Assim, se no nível individual, a violação do Distanciamento Social constitui uma negligência moral que coloca a vida das outras pessoas em risco; no nível coletivo, a falta de assistência protetora de um grupo vulnerável ameaça a segurança individual.


O Distanciamento Social constitui uma das estratégias mais básicas, mas também mais disruptivas de gestão da saúde pública. Isto acontece porque o Distanciamento Social opera dentro das relações sociais, ao mesmo tempo, afastando e aproximando as pessoas. Assim, para conter o Efeito Dominó alinha e combina, simultaneamente, o longe da distância vivida (física) e o próximo da distância percebida (normativa). Está embutido tanto nos lugares quanto nas práticas sociais compartilhadas e desta forma, acaba mediando as experiências individuais e coletivas. Portanto, redefine a ordem social existente e testa a capacidade humana de cooperação.

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