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Dr M. MATTEDI Universidade Regional de Blumenau mam@furb.br


Os seres humanos evoluíram para se sentirem mais seguros vivendo em grupos. Por isto, os grupos sociais são organizados para proteger, ao mesmo tempo, os interesses individuais e coletivos dos membros. Neste sentido, o contato social fornece um sistema de coordenadas sociais que facilita o processo de sociolocalização individual. Essa é uma característica ainda muito marcante nas sociedades modernas tanto nas organizações primárias (familiares, amizades), quanto secundárias (escolas, igrejas, trabalho). O resultado deste processo é que, invariavelmente, tendemos a experimentar o isolamento social como uma situação negativa.


Por isto, desde o início do Distanciamento Social as histórias sobre como viver sem contato social direto se multiplicam nas mídias sociais: “Trabalhe em casa”, “estude em casa”, “coma em casa”... “Leia seus livros preferidos”, “assista seus filmes preferidos”... Porém, estes relatos contrastam com a maneira como a maior parte da população experimenta a situação de Distanciamento Social. Isto acontece porque as condições no qual se estabelece o Distanciamento Social são socialmente desiguais. Quando estamos doentes ficamos em casa para diminuir o contato social, porém o que realmente acontece quando precisamos diminuir o contato social para não ficar doentes?


Sabemos que a intensidade das interações sociais dos grupos sociais constitui uma propriedade elementar do contato social. Por isto, o pressuposto básico do Distanciamento Social constitui a restrição do contato direto entre os indivíduos para reduzir o ritmo de propagação do vírus. Afinal, quanto menor o contato direto, menor o risco de contaminação. Em termos práticos significa que ficar em casa ou, inversamente, evitar espaços públicos e reuniões sociais. Este processo nos leva a uma questão sociológica inquietante: diante da grande variação de condições de vida, quais são as implicações da aplicação de uma solução geral?


As evidências disponíveis indicam que as medidas de isolamento social acabaram desencadeando um processo de Recessão Social. A Recessão Social diz respeito a diminuição da intensidade das relações sociais diretas. Neste sentido, indica uma condição social na qual a intensidade das interações das relações sociais diretas converteu-se num risco. Isto significa que a intimidade e a proximidade não são mais expressão de solidariedade: quanto menos os membros de um grupo interagem, mais se seguro o membro se encontra. Este processo provoca uma redefinição tanto do padrão de funcionamento interno quanto externo dos grupos sociais.


Isto acontece porque o Distanciamento Social é uma condição de vida socialmente excepcional. As duas principais situações mais comuns no qual os indivíduos são sujeitos ao Distanciamento Social constituem, principalmente, o encarceramento e o adoecimento. E em ambas as situações os indivíduos são submetidos involuntariamente ao isolamento social. Afinal, se as pessoas não estiverem presas ou doentes, não haveria restrição da mobilidade e o impedimento da comunicação. Neste sentido, o Distanciamento Social tem pelo menos dois efeitos diretos que precisam ser explorados sociologicamente: a) Mobilidade Espacial; B) Comunicação Informal.


a) Mobilidade Espacial: os efeitos do confinamento dos indivíduos ao espaço doméstico por um período longo tempo. Isto acontece porque o medo de contaminação redefine as relações dos indivíduos com o espaço público. Reduz os movimentos urbanos diários constantes relacionados, principalmente, a relação entre a distribuição da população urbana e as atividades produtivas no território. É que a distância do deslocamento se tornou um fator de risco: quanto mais distante o deslocamento, maior o número de contatos. Portanto, o bloqueio da movimentação da população provocado pelo Distanciamento Social redefine a centralidade dos lugares.


b) Comunicação Informal: os efeitos da diminuição dos contatos informais devido ao medo de contágio. A Comunicação Informal é fundamental porque por meio da comunicação os seres humanos conseguem definir quem são e como se relacionar socialmente. Já isto acontece porque quando nos comunicamos calibramos o que fazemos em relação ao que os outros fazem e, assim, acabamos produzindo um mundo social comum. Neste sentido, o Distanciamento Social acaba dificultando a interpretação mútua das ações. Portanto, a diminuição da comunicação informal provocada pela redução dos contatos diretos enfraquece os laços sociais.


Portanto, o efeito combinado da redução da Comunicação Informal e da Mobilidade Espacial são um materializam o processo de Recessão Social. Neste sentido, os efeitos emergentes do Distanciamento Social têm implicações analíticas mais amplas. Afinal, as formas de abordagem sociológicas a Distância Social o contato é central na análise. Assim, tanto nas teorias baseadas no Paradigma do Conflito (a abordagem da G. Simmel baseada na Dimensão Física) quanto para as teorias baseadas no Paradigma do Consenso (abordagem de R. Park e E. Bogardus baseado na Dimensão Simbólica) a distância são fundamentais no entendimento dos acontecimentos sociais.


A Recessão Social desvaloriza a vida pública e revaloriza a vida doméstica dos grupos sociais. Na Relação Externa este processo aumenta a dependência da internet, enquanto na Relação Interna intensifica a vida familiar. Estes efeitos possibilitam duas contatações sociológicas principais: a) Distância Física: a segurança do sedentarismo, substitui a liberdade da mobilidade; b) Distância Simbólica: a segurança da distância, substitui a confiança do contato. Assim, paradoxalmente, enquanto do ponto de vista da Mobilidade, quanto mais perto mais seguro; do ponto de vista da Comunicação, o processo é inverso, quanto mais longe mais seguro.


A teoria sociológica indica que a frequência e a intensidade de contatos entre os membros são os preditores da força das relações num grupo social. Neste sentido, o fenômeno da Recessão Social tende a redefinir a dinâmica de funcionamento dos grupos sociais: quanto mais longo for o Distancia Social, maior o impacto nos grupos sociais. Trata-se, neste sentido, de examinar os impactos nas dimensões interativas, normativas e afetivas provocadas pela Recessão Social. Nossa hipótese, portanto, é que os efeitos devem estar linearmente relacionados. Dito de outra forma, o isolamento físico deve ter um efeito similar ao isolamento simbólico.

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