Leandro Ludwig
Arquiteto e Urbanista
Membro do Núcleo de Estudos da Tecnociência - NET
Como em um desastre que possui um gatilho natural (enchente e deslizamento), a gestão de um desastre biológico não pode ter em sua base somente a retirada das pessoas das áreas de risco. Em qualquer desastre, a base de sua gestão é a mitigação (diminuir o risco existente) e a prevenção (evitar o surgimento de novos riscos). O que isso significa? Que somente retirar as pessoas de encostas e/ou áreas alagáveis não garante que a encosta e/ou a várzea deixe de apresentar risco e, principalmente, não evita que outras pessoas ocupem novamente essas áreas.
Ao trazer essa lógica para as medidas mais adotadas frente ao Covid-19, fica evidente que a reclusão/quarentena de uma cidade inteira não deveria ser a base no gerenciamento da crise do vírus (apesar de ser uma resposta eficaz). Após a quarentena (e após todas as perdas sociais, ambientais e econômicas inerentes à paralisação das cidades), a reclusão social não irá evitar que uma única pessoa contaminada faça com que toda a cidade volte a ficar contaminada. É fundamental ter em mente que as vacinas para o Covid-19 estão previstas somente para 2021. Por isso é preciso saber conviver com o risco. Quanto menor a capacidade da sociedade de conviver coletivamente sem propagar doenças, maior a necessidade de intervenções na sua rotina.
Nesse cenário, a solução simples, rápida e que parece mais eficaz, na verdade é apenas uma resposta pautada na ideia de vazio sanitário. Por si só essa resposta não evita que a cidade volte a ser contaminada pelo Covid-19. É uma resposta emergencial e desesperada frente a crise global. Definitivamente não deve ser entendida como a solução desta crise e de outras que possam surgir.
Estamos diante de uma situação urbanisticamente nova. As cidades construídas pelas lógicas do mercado, que até então funcionavam, não possibilitam a manutenção da saúde pública. Nossas cidades são insalubres. Em determinados pontos muita umidade, em outros muito calor. Muita poeira e fumaça. Há problema de saneamento em pequenas, médias e grandes cidades. A arborização urbana é considerada um problema. Habitações e ambientes de trabalho são construídos pautados no ar condicionado, sem ventilação natural. Essa cidade, que até então funcionava e era conveniente, nos mostra agora sua fragilidade e debilidade.
Para vencer o Covid-19 (e outros vírus novos que possam surgir), é preciso incorporar os preceitos da gestão de risco de desastres que possuem gatilho natural. A reclusão deve ser entendida como uma resposta indiscutivelmente necessária e emergencial, mas tendo a certeza de que não é a solução dessa e de futuras crises. A vacina desse vírus, solução definitiva para o Covid-19, não evitará que novos vírus se propaguem rapidamente no futuro. Desastres podem ser encarados como oportunidades de mudança. Devemos aproveitar essa oportunidade para melhorar nossa sociedade, a partir de uma reflexão sobre o desenvolvimento e comportamento urbano. Tornar os ambientes coletivos salubres e resilientes e, capacitar urgentemente a sociedade, são caminhos para que possamos conviver com o risco.