Prof. Dr. Maiko Rafael Spiess
A pandemia e as práticas de distanciamento social trouxeram mudanças significativas nos padrões de uso do tempo e da percepção de sua passagem. No curto prazo e na esfera privada, por exemplo, se percebem mudanças contraditórias: os deslocamentos e saídas diárias diminuem, mas as interações digitais se intensificam e ocupam a maioria do tempo eventualmente liberado. As condições impostas pela pandemia permitiram a compressão de certas atividades no tempo, mas também a aceleração ou aumento da quantidade de diferentes atividades realizadas. Paradoxalmente, temos mais tempo utilizável e menos tempo livre.
No médio e longo prazo, o ineditismo das condições de vida na pandemia implicou em um alto grau de incerteza e indefinição. Qual a duração de uma pandemia? Quanto tempo é necessário para uma “quarentena”? Essas incertezas e contradições impactam as políticas públicas de combate ao coronavírus e levam a resultados ambíguos. Sobretudo, porque quanto mais tempo passamos em uma situação de excepcionalidade, mais rapidamente queremos voltar para a normalidade. No entanto, existe uma forte incompatibilidade entre a conclusão desejada e a conclusão real da crise (Figura 1).
Figura 1: Conclusão desejada x conclusão real
Em uma análise anterior, já discutimos os efeitos dessas duas temporalidades distintas nos processos de ensino e aprendizagem. Mais recentemente, os resultados da segunda rodada de pesquisa com os estudantes nos permitem aprofundar algumas observações e descrever mais claramente a percepção de uma parte da comunidade universitária sobre os tempos da pandemia e do isolamento social. Esta reflexão é importante, pois no âmbito local e estadual se acumulam sinais do retorno gradual das atividades educacionais e, portanto, diferentes impactos possíveis para a comunidade universitária se anunciam.
Inicialmente, é necessário considerar as condições atuais do uso do tempo dos estudantes. Nesta dimensão, é possível observar uma tendência de crescimento do tempo dedicado ao uso de Internet e, assim, das atividades remotas – sejam elas educacionais, afetivas, comerciais etc. Em comparação com a primeira rodada de pesquisa, é possível observar que o percentual de estudantes que afirmam usar a Internet mais de 8 horas diárias cresceu de 37,1% para 43,52%. Na faixa de 6 a 8 horas diárias, subiu de 23,4% para 27,46%. No caso das faixas de tempo de até 6 horas diárias, se observou uma queda geral de 10,48% (Gráfico Interativo 1, abaixo).
Gráfico Interativo 1
Este aumento observado no uso de Internet pode ter um efeito ambivalente: por um lado, pode consolidar a rotinização das aulas mediadas por tecnologias e, em conjunto com a sensação de medo do contágio, gerar uma tendência à continuidade das atividades remotas; por outro lado, pode implicar um processo de fadiga ou saturação digital que amplificaria a disposição ao retorno às aulas presenciais. Nesta segunda hipótese, é necessário investigar se a receptividade ao retorno das atividades presenciais (e, assim, o aumento da exposição ao risco) não será desproporcionalmente inflada pelo efeito contínuo da exposição digital.
Nesse sentido, as condições para o isolamento social e perspectivas dos estudantes sobre sua continuidade fornecem indícios importantes. Do ponto de vista da rotina de saídas, na segunda rodada de perguntas 19,86% declaram estar completamente isolados e 76,68% afirmam sair apenas quando é inevitável. O percentual de estudantes em isolamento total caiu em comparação com a primeira rodada, mas isso pode se relacionar com o cenário de reabertura gradual e a dificuldade de manutenção do isolamento no médio prazo. Em geral, no entanto, a adesão ao distanciamento social é alta, mesmo considerando diferentes perfis (Gráfico Interativo 2).
Gráfico Interativo 2
Quando considerado o tempo total transcorrido desde o início do isolamento social, foi possível verificar que, na época da coleta de dados, a maioria dos participantes estava mantendo alguma forma de distanciamento social há mais de 30 dias (83,94%). Em sentido oposto, 9,15% não estavam isolados e apenas 1,73% estavam isolados por um período menor do que 15 dias (Gráfico Interativo 3). Por um lado, isso indica uma predisposição dos estudantes a adotar as medidas de distanciamento para contenção da COVID. Por outro lado, quando mais longo o distanciamento, possivelmente mais difícil é mantê-lo.
Gráfico Interativo 3
Assim, é fundamental considerar os dados sobre a quantidade de tempo que os estudantes estavam dispostos a continuar em isolamento. Neste aspecto, as respostas indicam uma projeção ou propensão para permanecer em isolamento por períodos relativamente longos: 35,75% afirmaram estar dispostos a permanecer em isolamento por mais 6 meses, 34,89% por até 3 meses e 24,53% por mais um mês. Apenas 2,76% não pretendiam prolongar as ações de isolamento. As relações entre o tempo transcorrido e a projeção para a continuidade do isolamento podem ser visualizadas detalhadamente no Gráfico Interativo 4 (abaixo).
Gráfico Interativo 4
É claro que as condições sociais e a propensão individual para continuar com o isolamento se alteram ao longo do tempo. Os efeitos socioeconômicos na renda familiar, por exemplo, podem aumentar a propensão à circulação. Em um sentido semelhante, as alterações e permissões dadas por decretos e outros atos oficiais podem aumentar a pressão pelo fim do isolamento. No entanto, devemos estar atentos aos efeitos individuais de soluções gerais. A aversão individual ao risco não pode ser prejudicada pelas tendências institucionais.
Em termos práticos, para a FURB isso significa ter que considerar cuidadosamente os procedimentos para o retorno das atividades. É certo que uma retomada excessivamente adiada possui implicações importantes, como a ameaça da evasão e impactos na sustentabilidade econômica. Todavia, uma retomada muito rápida das atividades presenciais pode alienar a parcela significativa de estudantes – aqueles que indicam disposição em manter por mais tempo as medidas de isolamento – e também ocasionar evasão ou queda no interesse pelas aulas. Além disso, é necessário considerar estudantes e servidores que possuem um perfil de risco.
Resumidamente, ao considerar a Reversão do Distanciamento Social, é preciso equalizar os diferentes tempos da instituição, servidores e estudantes. Vale lembrar que, por um lado, estamos todos mais ou menos influenciados por forças de aceleração desta reversão, como a saturação causada pelas práticas digitais e imposições de ordem econômica; por outro, estamos sujeitos também a processos de desaceleração ou dissuasão, como a continuidade do aumento de casos e das mortes causadas pela COVID-19. Como estes efeitos operam de forma distinta para diferentes pessoas, é muito provável que soluções gerais acabem por gerar conflitos.
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