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  • Foto do escritorMaiko Rafael Spiess

O TEMPO NO DISTANCIAMENTO SOCIAL: resultados de pesquisa com estudantes da FURB

Prof. Dr. Maiko Rafael Spiess


A implementação do Distanciamento Social durante a pandemia de COVID-19 impacta as pessoas, famílias, grupos sociais e instituições de maneiras novas e ainda não totalmente compreendidas. Hábitos de consumo, relacionamentos e trabalho estão sendo alterados - de forma breve ou permanente - pelo combate ao novo coronavírus. Neste cenário, algumas das questões que ainda merecem uma reflexão mais detalhada estão relacionadas à dimensão temporal do isolamento, ou seja, nossas percepções e ações sobre a passagem e o uso do tempo.

É claro que a disponibilidade de tempo e seu uso podem variar enormemente entre diferentes perfis sociais. A partir de nossas experiências e do senso comum, podemos extrair algumas suposições gerais sobre o uso do tempo na pandemia. Todavia, essas reflexões são limitadas pela baixa disponibilidade de dados sistematizados sobre o tema. Para tentar preencher essa lacuna, o Núcleo de Estudos da Tecnociência (NET) realizou uma pesquisa com 1000 estudantes da instituição durante o mês de abril de 2020 para investigar o impacto das medidas de isolamento social e, entre elas, as questões relacionadas ao uso do tempo.

De forma mais específica, o questionário aplicado procurou descrever algumas das posições dos estudantes sobre o uso do tempo. Inicialmente, é possível verificar que as atividades on-line possuem um papel central no uso do tempo dos estudantes durante o Distanciamento Social (Gráfico 1). Quando analisados em conjunto, o uso de redes sociais, streaming de vídeo (YouTube, Netflix), leitura on-line (sites de notícias, blogs) e podcasts demonstram o alto volume de atividades mediadas tecnologicamente e realizadas por meio da Internet, como seria esperado da amostra da pesquisa (majoritariamente jovens com boa alfabetização digital).


Gráfico 1



Considerando, ainda, que a segunda atividade mais mencionada (Estudo) está sendo realizada de forma remota e que 330 pessoas afirmam estar trabalhando em regime de home office, temos um uso do tempo que é altamente tecnológico e dependente da Internet. Essa tendência se confirma quando analisamos os resultados sobre a quantidade de horas que os estudantes passam na Internet por dia. Por um lado, 23,7% dos estudantes passam entre 4 e 6 horas diárias na Internet; 37,10% passam mais de 8 horas por dia on-line. Por outro, apenas 15,8% passam menos de 4 horas diárias na Internet.






Fonte: Elaboração própria a partir de dados de pesquisa


É interessante notar ainda que a transição para o isolamento social aumentou o uso da Internet, conforme o gráfico 2. Com exceção dos estudantes que passam menos de duas horas diárias on-line, o uso de Internet cresceu de forma significativa em todos os perfis. Mesmo quando considerados os estudantes que afirmaram possuir condições socioeconômicas péssimas ou ruins para adotar o isolamento social, o aumento do uso foi generalizado. Portanto, os dados confirmam uma intuição simples, porém muitas vezes não comprovada, de que o Distanciamento Social implica em um aumento da presença virtual.


Gráfico 2


Fonte: Elaboração própria a partir de dados de pesquisa


Isto pode ser observado em uma série de mudanças que se intensificaram com o isolamento social. Por exemplo, são menos necessários os tempos de deslocamento entre o trabalho, o lar e a universidade; diminui-se a necessidade da copresença para a condução de algumas atividades cotidianas e, dessa forma, o custo (em tempo) para sua realização; as tecnologias de informação e comunicação permitem circular notícias, dados e opiniões com maior rapidez e abrangência, reduzindo a latência na comunicação. Em suma, em uma mesma quantidade de tempo as pessoas passam a fazer mais atividades.


Assim, por um lado, a digitalização de algumas atividades conduz a um uso mais intensivo do tempo ou sua aceleração técnica e social. Por outro lado, paradoxalmente, a pandemia possui tempos longos ou indeterminados, e assim parece suspender a ordem temporal normal. Isto é, estamos atravessando um processo que altera as estruturas temporais e projetos de vida a curto e médio prazo: os encontros sociais se tornam mais espaçados no tempo e demandam mais planejamento; os eventos passados compartilhados tornam-se mais distantes na memória e os planos futuros parecem ser constantemente postergados para mais adiante no tempo.


Não por acaso, muitos estudantes identificaram sentimentos como Ansiedade (708 menções), Tédio (516) e Irritação (430) durante a pandemia. Ou ainda, demonstram sentir falta de contatos como eventos sociais com os amigos (813 menções) e as aulas presenciais (696). De fato, quando solicitados que indicassem a falta que sentem das aulas presenciais em uma escala de 1 a 10, 59,6% responderam 9 ou 10 (“sinto muita falta”). Ou seja, os ganhos de aceleração do tempo não parecem compensar completamente a desestruturação e o afastamento decorrentes dos ritmos da gestão da pandemia.


Dessa forma, é possível supor que os estudantes (e a população em geral) se encontram divididos entre duas temporalidades distintas e opostas: a) os tempos acelerados do mundo digital; b) os tempos lentos do combate à pandemia. Essa incompatibilidade parece se impor no processo de tomada de decisão e exposição ao risco: as informações circulam rápido, mas as ações demoram a ocorrer. Logo, quanto maior o tempo em isolamento, mais difícil é manter a postura de isolamento, pois existe uma incompatibilidade entre a conclusão desejada para a crise e a conclusão real (intrinsecamente incerta).




Do ponto de vista das atividades de ensino-aprendizagem, isso pode levar a uma fadiga digital que, a médio e longo prazo, pode diminuir a eficácia dos estudos on-line. No nível macro, significa que gradualmente fica mais difícil gerenciar as expectativas da população sobre o fim da pandemia. Como parecem indicar as aglomerações em centros comerciais após a flexibilização das regras de isolamento, muitas pessoas não percebem que a situação ainda não está resolvida. Isto é, elas não se dão conta de que a normalidade está localizada no futuro, e não no presente.



Dessa forma, os desafios colocados para a FURB operam em dois níveis: internamente, é necessário manter o engajamento de estudantes, professores e servidores, para que o funcionamento do ensino, pesquisa e extensão não sejam prejudicados por uma percepção errada a respeito da situação excepcional em que nos encontramos; externamente, é importante reafirmar a posição da Universidade como centro de produção de conhecimentos certificados e fornecedora de elementos para a gestão coletiva e individual das incertezas e inseguranças temporais a respeito da pandemia.

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