- 8 de abr.
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Dra. Maria Rossi
RESUMO: Desastres ambientais têm impactos profundos na saúde mental, no mercado de trabalho, na educação e na qualidade de vida das populações afetadas. O aumento significativo de afastamentos do trabalho, dificuldades nos estudos e prejuízos à qualidade de vida demonstram que essas catástrofes vão além das perdas materiais, afetando diretamente o bem-estar psicológico e social das comunidades atingidas.
1 Introdução
Em 2024, o Rio Grande do Sul registrou 37.004 afastamentos do trabalho por transtornos mentais, sendo 10.274 casos de depressão e 7.792 de ansiedade (UOL, 2018; Brasil, 2024), representando quase metade das licenças médicas. As enchentes ocorridas no estado em 2023 foram apontadas como fator determinante para esse número expressivo. Essa realidade, no entanto, não é um caso isolado. Estudos apontam que, em diferentes momentos da história recente do Brasil e do mundo, eventos ambientais extremos resultaram em impactos significativos na saúde mental da população.
2 Evidências nacionais: tragédias e seus impactos
O rompimento da barragem de Mariana em 2015, Brumadinho em 2019 e as enchentes na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011 (Silva et al., 2023) ou as enchentes recorrentes no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, como em Blumenau (Silva et al., 2019), também deixaram marcas psíquicas duradouras em muitas pessoas (Agência Brasil, 2019; 2020). Em pesquisa realizada por Freitas (2021), observou-se que a exposição direta ao desastre de Fundão esteve associada a sintomas de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. No caso de Brumadinho, além das mortes e destruição, houve impacto significativo no senso de segurança das comunidades afetadas e na confiança institucional (Agência Brasil, 2019; 2020).
Estudos acadêmicos no Brasil apontam fatores protetores importantes para o enfrentamento desses traumas, como o fortalecimento da rede de apoio, práticas comunitárias de cuidado e o suporte psicossocial pós-desastre (Magalhães, 2021).
3 Perspectiva internacional: saúde mental e desastres climáticos
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021) alerta que os desastres ambientais intensificam a exposição a situações de perda, deslocamento, ruptura de vínculos e insegurança, fatores que elevam o risco de transtornos mentais. Após o furacão Katrina, nos Estados Unidos, por exemplo, houve um aumento de até 30% em diagnósticos de transtornos pós-traumáticos e depressivos (CDC, 2006; Rhodes et al., 2010).
No Japão, após o terremoto e tsunami de 2011, houve aumento nos índices de autoextermínio (suicídio) e na demanda por serviços de saúde mental, sobretudo entre idosos e jovens. A experiência japonesa também demonstrou a importância do suporte comunitário e da reconstrução de rotinas como estratégias de recuperação emocional (Orui, 2022).
Também no Japão, após o acidente nuclear de Fukushima em 2011, houve um aumento notável nos casos de depressão e ansiedade entre os evacuados e residentes das áreas afetadas. Estudos indicam que os desafios sociais e econômicos decorrentes do desastre, como deslocamento e perda de emprego, contribuíram para o aumento desses transtornos (Kasai, 2018).
3 Reflexos no mercado de trabalho e na Educação
O impacto dos desastres não se restringe ao adoecimento individual. Há repercussões diretas na produtividade, na evasão escolar, na dificuldade de retomada da vida cotidiana. Crianças e adolescentes afetados por eventos extremos apresentam maior dificuldade de concentração e rendimento escolar, segundo estudos da UFMG (Magalhães, 2021; Rohwerder et al., 2022). No campo do trabalho, além dos afastamentos, os dados apontam para um aumento da informalidade e da vulnerabilidade socioeconômica das famílias atingidas.
Além disso, fenômenos como o hikikomori (Coisas do Japão, 2023) e o karoshi (Observador, 2015) refletem questões de saúde mental relacionadas a pressões sociais e condições de trabalho no Japão. O hikikomori refere-se ao isolamento social extremo - japoneses que se retraem em seus quartos-, muitas vezes devido a pressões sociais intensas e expectativas elevadas (Coisas do Japão, 2023). Já o karoshi diz respeito à “morte por excesso de trabalho”, destacando os riscos associados a cargas de trabalho excessivas e estresse contínuo (Observador, 2015, online). Conforme dados, “mais de 1,5 milhão de pessoas em idade produtiva no Japão estão vivendo como hikikomoris. Surpreendentemente, 20% desses indivíduos apontaram a pandemia de COVID-19 como a principal razão para seu isolamento social” (Coisas do Japão, 2023, online). As causas do hikikomori são diversas, incluindo desemprego, depressão e experiências de bullying em ambientes escolares ou profissionais. A pandemia intensificou esse quadro, pois as medidas de distanciamento social e o aumento das dificuldades econômicas levaram mais pessoas ao isolamento (Coisas do Japão, 2023).
No Rio Grande do Sul, o aumento nos afastamentos por transtornos mentais em 2024 resultou em desafios para as empresas, que precisaram lidar com a falta de funcionários e a redução da produtividade. Globalmente, eventos climáticos extremos, como furacões e inundações, têm impactado a cooperação ao desenvolvimento, afetando infraestruturas e comunidades em diversos países (El país, 2024a; 2024b).
Na educação, desastres naturais podem levar à interrupção das atividades escolares, afetando o desempenho acadêmico e aumentando a evasão escolar. Por exemplo, no Sul e Sudeste asiático, mulheres afetadas por desastres naturais enfrentam desafios significativos na saúde física e mental, o que pode impactar suas oportunidades educacionais e de trabalho (Fatema et al, 2021).
Considerações finais
Os dados e estudos apresentados revelam a urgência de políticas públicas que considerem a saúde mental como eixo estruturante nas ações de prevenção e resposta a desastres ambientais. É preciso ampliar os serviços de acolhimento psicológico, fortalecer as redes sociais de apoio e garantir estratégias de cuidado integradas às políticas educacionais, de assistência e saúde. A atenção psicossocial pós-desastre deve ser compreendida como um direito da população e como parte fundamental da reconstrução dos territórios afetados. A reconstrução de um território também passa pela reconstrução subjetiva das pessoas que nele habitam.
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Estudo mostra impactos do desastre de Mariana na saúde mental. 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-11/estudo-mostra-impactos-do-desastre-de-mariana-na-saude-mental . Agência Brasil, 2019. Acesso em: 07 abr. 2025.
AGÊNCIA BRASIL. Demanda por atendimento em saúde mental em Brumadinho cresce 400%. Agência Brasil, ISTOÉ Independente, 25 jan. 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/demanda-por-atendimento-em-saude-mental-em-brumadinho-cresce-400/ . Acesso em: 07 abr. 2025.
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