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Comunicação de risco e tecnologias emergentes: desafios e estratégias na Gestão de Desastres

  • D.ra Maria
  • 3 de set.
  • 10 min de leitura

Autoria Artigo: Lucas Ademir Pereira
Autoria Artigo: Lucas Ademir Pereira

O artigo analisa a integração entre comunicação de risco e inovações tecnológicas na gestão de desastres, destacando como estratégias éticas e socialmente sensíveis dialogam com ferramentas digitais para reduzir danos e fortalecer a resiliência comunitária. Ele evidencia que, embora tecnologias como aplicativos móveis e sistemas de inteligência artificial ampliem o alcance e a precisão das mensagens, a eficácia depende da confiança institucional, da pertinência cultural e da inclusão social. O estudo também ressalta a importância de rádios comunitárias, lideranças locais e protocolos de verificação de informações, mostrando que a comunicação de desastres é um campo interdisciplinar que combina rigor técnico e sensibilidade social. Por fim, o artigo propõe recomendações para políticas públicas, formação de comunicadores e desenvolvimento de tecnologias humanizadas, visando tornar a comunicação um instrumento de proteção, solidariedade e justiça social.



Introdução


A comunicação de desastres, entendida como prática interdisciplinar e estratégica, assume papel central na mediação entre especialistas, governo e sociedade, sobretudo em contextos de risco e crise. A literatura demonstra que a comunicação de risco não pode ser reduzida à simples transmissão de informações, mas deve ser concebida como processo dialógico, contínuo e ético, capaz de reduzir incertezas, construir confiança e orientar comportamentos sociais em momentos de alta vulnerabilidade (Covello; Allen, 1988; Reynolds; Seeger, 2005). No Brasil, episódios como os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) evidenciaram as fragilidades das estratégias institucionais de alerta, bem como a importância de abordagens comunitárias, participativas e culturalmente situadas (Acselrad, 2017; Darolt, 2009).


Nesse cenário, as tecnologias de comunicação emergem como instrumentos indispensáveis para o monitoramento, a prevenção e a resposta em situações de catástrofe. Desde o uso do rádio em enchentes e deslizamentos até a incorporação de softwares, aplicativos móveis e redes sociais digitais, a evolução tecnológica ampliou a velocidade, o alcance e a complexidade das mensagens transmitidas em emergências (Standage, 1998; Palen et al., 2009). No entanto, tais inovações também intensificaram desafios, como a disseminação de boatos, fake news e desinformação, que comprometem a eficácia das campanhas oficiais e agravam o caos informacional em cenários de crise (Veil et al., 2011; Houtson et al., 2015).

A interseção entre comunicação de risco e inovação tecnológica evidencia um campo marcado por tensões: de um lado, a promessa da inteligência artificial, do big data e da Indústria 5.0 em prever desastres e personalizar alertas em tempo real; de outro, os riscos de exclusão digital, vigilância excessiva e desigualdade no acesso às informações. A experiência internacional e nacional mostra que a eficácia da comunicação depende tanto da sofisticação tecnológica quanto da pertinência social, cultural e ética das mensagens (OMS, 2020; Lachlan et al., 2014). Assim, os softwares e plataformas digitais não devem ser vistos apenas como ferramentas técnicas, mas como instâncias mediadoras que precisam ser reguladas por princípios de acessibilidade, inclusão e responsabilidade social.


Dessa forma, compreender como as estratégias de comunicação de risco dialogam com os avanços tecnológicos torna-se fundamental para pensar políticas públicas, campanhas publicitárias de utilidade social e protocolos institucionais que sejam capazes de proteger vidas, reduzir danos e reconstruir comunidades em situações de catástrofe. Este artigo, derivado do Trabalho de Conclusão de Curso em Publicidade e Propaganda, propõe-se a analisar criticamente as convergências entre os modelos clássicos de comunicação de risco e as inovações tecnológicas aplicadas à gestão de desastres, evidenciando limites, potencialidades e recomendações para o campo comunicacional.


Desenvolvimento


A comunicação de risco constitui um dos eixos mais relevantes no campo da comunicação dos desastres, pois estabelece a ponte entre o conhecimento técnico, os dispositivos institucionais e a sociedade. Segundo Covello e Allen (1988), a clareza e a transparência das mensagens são fatores decisivos para a redução da incerteza em situações críticas. Reynolds e Seeger (2005) reforçam que a comunicação de risco não deve ser concebida como um evento isolado, mas como processo contínuo de planejamento, construção de confiança e gestão da reputação. Nesse sentido, os princípios comunicacionais estão diretamente vinculados à credibilidade das instituições, à pertinência cultural das mensagens e à capacidade de dialogar com diferentes públicos, incluindo comunidades vulneráveis.


Casos como a pandemia de COVID-19 (Baldwin; Weder di Mauro, 2020) ou os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) revelam a importância de estratégias que não apenas informem, mas mobilizem coletivamente. No entanto, como demonstram Veil et al. (2011) e Houston et al. (2015), falhas na comunicação de risco podem agravar o pânico, alimentar a desinformação e corroer a confiança institucional, sobretudo quando há ausência de transparência e inconsistência nas fontes oficiais. O risco, portanto, não se restringe a dimensões físicas, mas é também socialmente construído (Acselhad, 2002; Valencio et al., 2009). Isso significa que a eficácia da comunicação não depende apenas do conteúdo transmitido, mas do contexto cultural, histórico e simbólico em que está inserida.


Com o avanço tecnológico, esse campo tornou-se ainda mais complexo. O rádio, por exemplo, analisado por Darolt (2009), desempenhou papel decisivo em desastres do início do século XXI em Santa Catarina, ao mobilizar solidariedade comunitária e difundir mensagens de prevenção. Na era digital, contudo, a lógica de circulação da informação foi profundamente transformada. Plataformas como Twitter/X, WhatsApp e TikTok ampliaram exponencialmente a velocidade dos fluxos comunicacionais, permitindo comunicação bidirecional entre autoridades e cidadãos (Houtson et al., 2015). Contudo, esse ambiente também intensificou a difusão de boatos, memes e fake news, fenômeno que gera uma “infodemia” paralela ao desastre, dificultando a coordenação das respostas coletivas.


A incorporação de softwares e sistemas inteligentes na gestão de riscos sinaliza novas possibilidades para a comunicação em desastres. Aplicativos móveis de alerta, plataformas de georreferenciamento e sistemas de big data permitem monitoramento em tempo real, emissão segmentada de mensagens e personalização das estratégias comunicacionais. Estudos recentes apontam que a inteligência artificial pode ser utilizada para prever padrões de risco, antecipar eventos e conectar instituições públicas e privadas em tempo real (WORLD BANK, 2013; NOY, 2009). No entanto, o acesso desigual às tecnologias coloca em evidência dilemas éticos: populações periféricas, indígenas, migrantes e pessoas em situação de vulnerabilidade frequentemente não possuem acesso a smartphones, internet ou letramento midiático, o que os exclui das estratégias digitais de prevenção (OMS, 2020).


Essa desigualdade tecnológica reforça a necessidade de integração entre comunicação comunitária e sistemas oficiais de alerta. Rádios comunitárias, lideranças locais e agentes de base permanecem como canais de confiança fundamentais, especialmente em territórios onde o Estado não chega de forma efetiva. A articulação entre comunicação digital e comunitária é, portanto, um desafio estratégico, capaz de reduzir injustiças comunicacionais e ampliar a resiliência social (Valencio et al., 2009). Além disso, protocolos de checagem, uso ético de imagens, linguagem acessível e treinamento de comunicadores populares são medidas que podem mitigar os efeitos da desinformação em redes digitais (Veil et al., 2011).


Outro ponto central reside na relação entre inovação tecnológica e Indústria 5.0. Diferentemente da Indústria 4.0, focada na automação, a Indústria 5.0 enfatiza a humanização da tecnologia e a personalização de soluções. Aplicada à comunicação de desastres, essa perspectiva sugere que softwares e sistemas inteligentes devem ser projetados para garantir acessibilidade, inclusão e participação social. Isso inclui desde o desenvolvimento de aplicativos adaptados para pessoas surdas ou cegas até a tradução automática para diferentes idiomas em contextos migratórios. A comunicação tecnológica, nesse caso, não deve ser vista apenas como ferramenta instrumental, mas como prática política e social orientada pela justiça comunicacional.


O desafio contemporâneo é, portanto, equilibrar a velocidade e sofisticação da inovação tecnológica com a necessidade de empatia, transparência e ética comunicacional. O caso do Furacão Katrina (2005) ilustra como falhas de coordenação e comunicação podem gerar caos e abandono de comunidades inteiras (Perry, 2007). De forma oposta, experiências em terremotos no Japão (2011) mostraram como o uso de aplicativos móveis e redes sociais, aliado a sistemas de alerta antecipado, pode reduzir mortes e agilizar processos de evacuação. Esses exemplos confirmam que tecnologia, por si só, não garante eficácia: é a articulação entre inovação, confiança social e pertinência cultural que determina o impacto da comunicação em contextos críticos.


Conforme destaca Mattedi (2007), a comunicação dos desastres não apenas informa, mas estrutura a percepção social do risco, sendo fundamental para salvar vidas, coordenar respostas e reconstruir comunidades. A partir dessa perspectiva, evidencia-se que a integração entre comunicação de risco e tecnologias da informação representa não apenas um avanço técnico, mas uma transformação epistemológica na forma como a sociedade lida com catástrofes. Se a comunicação de risco fornece os princípios éticos e estratégicos para orientar mensagens claras, confiáveis e mobilizadoras, as inovações tecnológicas oferecem meios para ampliar o alcance, a precisão e a interatividade dessas mensagens. Contudo, como evidencia o TCC, ambas as dimensões precisam ser articuladas sob a perspectiva da publicidade e propaganda, compreendidas não apenas como campos de persuasão mercadológica, mas como práticas sociais com responsabilidade ética e simbólica. Nesse sentido, cabe ao publicitário assumir papel protagonista na mediação entre ciência, governo e sociedade, produzindo narrativas que não apenas informem, mas ressignifiquem experiências traumáticas, fortaleçam a confiança social e orientem a reconstrução coletiva após os desastres.


Conclusão


A análise desenvolvida ao longo deste estudo demonstrou que a integração entre comunicação de risco e inovações tecnológicas constitui uma das principais transformações contemporâneas no campo da comunicação dos desastres. Os resultados alcançados indicam que a comunicação de risco, entendida como processo contínuo, dialógico e ético (Covello; ALLEN, 1988; Reynolds; Seeger, 2005), não pode ser dissociada das ferramentas tecnológicas que moldam o modo como mensagens de alerta, prevenção e resposta são concebidas e transmitidas. No entanto, a pesquisa revelou que tais ferramentas, embora ampliem a velocidade e o alcance das informações, não eliminam as desigualdades estruturais que permeiam o acesso e a apropriação das mensagens.


Foi possível chegar a essas conclusões a partir da revisão crítica de diferentes modelos comunicacionais e do exame de casos nacionais e internacionais relatados no TCC. A análise documental e bibliográfica, sustentada por autores de referência como Mattedi (2007), Darolt (2009), Acselrad (2002) e Hutson et al. (2015), permitiu identificar convergências e tensões entre a dimensão social da comunicação de risco e as inovações tecnológicas que vêm sendo aplicadas nas últimas décadas. Essa triangulação metodológica evidenciou que os resultados não são meramente teóricos, mas se materializam em experiências empíricas que mostram avanços e limitações da comunicação em situações de catástrofe. Entre os principais resultados, destacam-se:


(1) a confirmação de que a confiança institucional é o eixo estruturante da eficácia comunicacional em desastres;

(2) a constatação de que a comunicação digital, embora mais veloz, intensifica a circulação de desinformação e boatos, exigindo protocolos de checagem e campanhas de alfabetização midiática;

(3) a identificação de que rádios comunitárias e lideranças locais seguem desempenhando papel decisivo em territórios vulneráveis, o que reforça a importância da integração entre estratégias oficiais e comunitárias;

(4) a compreensão de que a Indústria 5.0, ao propor tecnologias humanizadas e inclusivas, abre novos caminhos para pensar uma comunicação de risco mais acessível, participativa e ética.


Esses resultados foram alcançados mediante a articulação de duas dimensões centrais. A primeira diz respeito ao caráter social e cultural da comunicação de risco, que, conforme Mattedi (2007), estrutura a percepção social do risco e orienta respostas coletivas diante do desastre. A segunda refere-se à dimensão técnica, na qual Darolt (2009) demonstra como meios de comunicação, especialmente o rádio, foram fundamentais para difundir mensagens de prevenção e mobilizar solidariedade em desastres ocorridos em Santa Catarina. Ao articular essas dimensões, a pesquisa evidencia que a comunicação dos desastres deve ser compreendida como prática interdisciplinar que exige tanto rigor técnico quanto sensibilidade social.


A partir desse panorama, algumas recomendações podem ser formuladas. Em primeiro lugar, recomenda-se que políticas públicas incorporem protocolos nacionais de comunicação de risco que considerem a diversidade cultural, social e tecnológica do Brasil, assegurando que populações em situação de vulnerabilidade não sejam excluídas dos processos de alerta e prevenção. Em segundo lugar, é necessário investir na formação de comunicadores sociais, jornalistas e publicitários voltados para a gestão de desastres, de modo que possam atuar não apenas como difusores de mensagens, mas como mediadores culturais e éticos. Em terceiro lugar, é fundamental que o desenvolvimento tecnológico seja acompanhado por princípios de acessibilidade e justiça comunicacional, garantindo que softwares, aplicativos e sistemas de inteligência artificial sejam projetados para incluir, e não para excluir.


Por fim, a pesquisa recomenda que a comunicação dos desastres seja reconhecida como campo autônomo de investigação científica e prática profissional, capaz de articular conhecimentos da comunicação social, da sociologia, da publicidade e da gestão de riscos. Essa consolidação contribuiria não apenas para avanços teóricos, mas também para o fortalecimento de políticas públicas e estratégias comunitárias que possam reduzir danos, salvar vidas e ressignificar experiências traumáticas. Como ressaltam Mattedi (2007) e Darolt (2009), comunicar o desastre não é apenas informar sobre ele, mas produzir sentidos que orientem a ação social e promovam a reconstrução coletiva.


Dessa forma, conclui-se que a intersecção entre comunicação de risco e tecnologias da informação abre um campo de possibilidades, mas também de responsabilidades. Cabe à academia, ao Estado, à sociedade civil e ao mercado da comunicação ,especialmente à publicidade e propaganda ,assumirem o compromisso de transformar a comunicação em ferramenta de proteção, solidariedade e justiça social, garantindo que, em um cenário marcado pela intensificação dos desastres, o direito à informação seja efetivamente um direito à vida.


Autoria: Lucas Ademir Pereira

Estudante de Publicidade e Propaganda/FURB

Membro do NET.


Referências:


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Baldwin, R.; Weder di Mauro, B. (org.). Economics in the time of COVID-19. London: CEPR Press, 2020.

Covello, V. T.; Allen, F. Seven cardinal rules of risk communication. Washington: U.S. Environmental Protection Agency, 1988.

Darolt, M. R. Meios de comunicação e desastres naturais: o caso do rádio em Santa Catarina. Blumenau: Edifurb, 2009.

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