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Me. Leandro Ludwig


Em uma primeira análise, a forma como a covid-19 se manifesta nas cidades parece ser intensificada por dois principais fatores: 1) grau de distanciamento; 2) densidade populacional. Ao pensar a covid19 pelo prisma espacial, é possível adaptar a matriz de oportunidades e escolhas elaborada por Spiess (aqui) para entender como a covid19 se expressa no território. Mais precisamente, a relação entre o grau de distanciamento e a densidade populacional permite ampliar o entendimento da expressão territorial do vírus.


Tabela 01: Matriz territorial do distanciamento social

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Nesta matriz, enquanto o grau de distanciamento representa uma variável de segurança, por outro lado a densidade populacional pode representar uma variável de intensificação do risco de contágio. Isso porque a densidade populacional pode amplificar as falhas ocorridas no distanciamento social. Essa relação permite estabelecer 4 cenários entre as duas variáveis:


A) Maior Grau de Distanciamento e Maior Densidade Populacional: apesar do contexto demográfico amplificar as falhas do distanciamento, o comportamento coletivo e individual que estabelece maior grau de distanciamento permite mitigar a curva de contágio. Pode representar o melhor contexto urbano possível para cidades de médio e grande porte durante o período de quarentena;


B) Maior Grau de Distanciamento e Menor Densidade Populacional: representa o cenário mais seguro que se pode estabelecer entre as duas variáveis. Pode representar o contexto urbano de cidades de pequeno porte durante a pandemia (se mantido elevado grau de distanciamento). Neste cenário, as falhas no distanciamento podem ser absorvidas e abafadas pela baixa densidade populacional;


C) Menor Grau de Distanciamento e Maior Densidade Populacional: pode representar o cenário urbano mais inseguro possível em cidades de médio e grande porte (com maiores densidades populacionais). Nestas cidades esse cenário pode ser compreendido como um cenário semelhante ao contexto urbano pré-pandemia, com dinâmicas urbanas ocorrendo independente da circulação da covid19;


D) Menor Grau de Distanciamento e Menor Densidade Populacional: se por um lado pode representar o cenário urbano mais inseguro possível em cidades de pequeno porte (com baixa densidade populacional), por outro lado, para cidades de médio e grande porte esse cenário pode representar um contexto urbano periférico, caracterizado por grandes lotes e/ou áreas rurais. Em cidades pequenas pode ser avaliado como um cenário semelhante ao contexto urbano pré-pandemia, com dinâmicas urbanas ocorrendo independente da covid19.


Se considerarmos Blumenau como uma cidade de médio porte (terceira maior do estado, porém distante das grandes cidades brasileiras), o cenário “A” representa o melhor contexto possível para a cidade no enfrentamento à covid19. Por outro lado, o cenário “C” pode representar o pior cenário possível, pois cria o ambiente ideal para propagação do vírus e pode comprometer os demais cenários de distanciamento.


Para compreender espacialmente como estes cenários ocorrem em Blumenau, o Núcleo de Estudos da Tecnociência – NET elaborou um questionário para os alunos da FURB com o intuito de compreender o distanciamento dos alunos. Uma das perguntas desse questionário se referia ao grau de isolamento que o aluno entendia estar desempenhando. A partir daí o núcleo geocodificou as mais de mil respostas dos alunos de Blumenau de acordo com o CEP informado (Figura 01).


Figura 01: amostras obtidas do grau de distanciamento

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Com essa base de dados foi possível criar um Mapa de Calor (kernel density estimation - KDE). O mapa considerou o grau de distanciamento para atribuir a cada CEP um peso diferente, de acordo com as respostas dos estudantes (Figura 02). Assim, estudantes que responderam estar com rotina normal tiveram atribuído ao CEP um coeficiente de distanciamento igual a 01 (resposta 2), estudantes que responderam estar em distanciamento total tiveram coeficiente de distanciamento igual a 10 (resposta 1) e, por fim, estudantes que responderam estar saindo somente quando é inevitável tiveram coeficiente de distanciamento igual a 05 (resposta 3).

Figura 02: Grau de Distanciamento Social de Blumenau


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Assim, para cada CEP foi feita a seguinte equação:

Grau de Distanciamento = [(quantidade de respostas 1 x 10) + (quantidade de respostas 2 x 1) + (quantidade de respostas 3 x 5)]

Apesar de os estudantes não representarem todos os extratos sociais de Blumenau, eles podem oferecer um indicador da dinâmica de distanciamento social na cidade (de acordo com os CEPs obtidos). Assim, ao sobrepor o Mapa de Grau de Distanciamento com o Mapa de Densidade Populacional é possível visualizar espacialmente como se expressam os cenários A, B, C e D em Blumenau (Figura 03).


Figura 03: Matriz territorial do distanciamento social em Blumenau.

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A matriz territorial do distanciamento social em Blumenau indica que, no geral as áreas com maior densidade são também as áreas com maior grau de distanciamento (Cenário A). Entretanto, é possível perceber áreas onde a densidade demográfica é alta e o distanciamento social é baixo (Cenário C). Já nos extremos norte/sul da cidade, verifica-se o predomínio do cenário D (menor densidade e grau de distanciamento). Assim, a matriz territorial do distanciamento social indica que, estabelecer a relação entre densidade e grau de distanciamento possibilita identificar as áreas onde o contágio tende a ser mais elevado. Entretanto, deve-se enfatizar que a correlação entre densidade e grau de distanciamento não é suficiente para englobar de forma isolada a complexidade da relação entre a covid19 e o contexto urbano, sendo fundamental e possível ampliar essa primeira análise.


Confira o mapa interativo do grau de distanciamento, com os dados presentes neste artigo, clicando aqui.

 
 
 
  • 23 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura

Giovanni Hardt Auzani

Mestrando em Desenvolvimento Regional - FURB

email: giovanni.ha@gmail.com


O “novo urbanismo” é o principal modelo de urbanismo defendido pelos urbanistas contemporâneos. Este modelo visa superar os efeitos emergentes do urbanismo modernista. Sua principal estratégia é o adensamento populacional dos centros urbanos. O desenvolvimento desse adensamento urbano depende de uma arquitetura residencial cada vez mais compacta. No atual momento de pandemia global, o distanciamento social é a principal forma de prevenção ao COVID-19. Dessa forma, pela primeira vez os espaços urbanos propostos pelo novo urbanismo enfrentam os efeitos da relação de suas diretrizes projetuais com uma crise epidemiológica.


O sanitarismo surge no final do século XIX, quando após diversas pandemias, os médicos higienistas passam a defender que o meio urbano poderia influenciar na degeneração urbana e da saúde geral dos cidadãos. Espacialmente, havia uma preocupação em projetar grandes espaços abertos nas cidades, com eixos visuais e grande circulação de ar. Além das práticas sanitárias modificadoras do espaço urbano, entre os higienistas havia a preocupação em implantar novas técnicas de sociabilidade. Seu discurso se baseava “no axioma de que um bom meio, forma um bom cidadão”. O urbanismo moderno foi muito influenciado pelo sanitarismo e radicalizou os conceitos de divisão de funções das cidades, gerando um processo de suburbanização.


O modelo americano de cidade moderna baseada na cultura automobilística desenvolveu uma expansão urbana. A setorização das cidades a partir da divisão do trabalho produz vazios urbanos durante os contraturnos. Estes processos são garantidos pelas normas de regulamentação do uso do solo como o zoneamento e os índices urbanísticos. A partir da perspectiva da sustentabilidade, a cidade moderna requer extensas redes de infraestrutura urbana, gerando grandes deslocamentos da população. A partir do ponto de vista urbanístico, a falta de vitalidade decorrente da divisão de usos e na dicotomia entre público x privado acarreta insegurança e degradação do espaço urbano.


O urbanismo pós-moderno e o novo urbanismo visam preencher os vazios urbanos construídos pelo modernismo. Reconhecem a cidade como o centro da vida e das relações sociais. Dessa forma, para haver vitalidade nas cidades, o novo urbanismo defende o adensamento populacional, a diversidade de usos, e a qualidade do espaço urbano. Os locais das atividades do cotidiano não devem exceder 10 km de distância do raio da sua residência. A circulação passa a ser feita em sua maior parte a pé ou por meio de transportes públicos. Com a especulação imobiliária as residências nesses espaços passam a ser cada vez menores o adensamento desses espaços passa a tornar-se impositivo.


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“CAPITALISM IS THE VIRUS” Bacteria collected on site + Polaroid - Chinatown – 2020

@drielycarter


A transmissibilidade do COVID-19 está diretamente ligada a densidade populacional, conforme demonstrado por Mattedi. Sendo assim, se o novo urbanismo estimula o adensamento e as interações sociais espontâneas geradas pela densidade populacional esses conceitos entram em conflito direto com o distanciamento social. Sair na rua enquanto o outro está potencialmente carregando um vírus letal pode afastar qualquer estímulo de iniciar uma interação social. A vida nos subúrbios ou nas áreas rurais permite esse afastamento de forma muito mais natural. Além disso, os bairros desenvolvidos seguindo os conceitos do novo urbanismo dependem de uma infraestrutura coletiva que se paralisou diante a pandemia.


O novo urbanismo surgiu nos anos 90 em um momento onde o problema das grandes pandemias parecia ter sido superado. Nessas últimas três décadas até o momento, a maior pandemia enfrentada havia sido a do H1N1. Com número de mortes muito mais expressivos, a atual pandemia do COVID-19 gera uma ruptura que nos obriga a reavaliar as práticas de urbanismo e arquitetura contemporânea. O novo urbanismo não foi idealizado para permitir o distanciamento social nas cidades. Tão pouco as residências contemporâneas são projetadas para abrigar uma família em período integral durante meses, ou a oferecer meios de prevenção ao vírus.

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Dessa forma, a COVID-19 estabelece uma ruptura das relações entre o público e privado. Nesse sentido, já existem projetos sendo desenvolvidos de forma conceitual que buscam responder a essas questões para permitir o reestabelecimento dessas relações. No âmbito privado, a mudança mais imediata percebida é na organização da área de trabalho, criando um cenário para as recorrentes videoconferências. No sentido da higienização o escritório Y Arquitetos desenvolveu um projeto residencial onde há uma entrada adjacente a entrada social da casa pelo banheiro. Esse projeto desenvolvido para uma médica, permite uma transição entre o mundo externo-interno e serve de referência para futuros projetos pós-COVID-19.


No setor público, as prefeituras de diversas cidades tiveram que buscar uma solução para fazer a vacinação contra o H1N1 e os testes do COVID-19 sem gerar aglomerações. Uma das soluções amplamente implantadas tem sido com o sistema drive-thru. Nesse sistema, uma equipe médica fica em um quiosque ao ar-livre e aplica a vacina ou coletam o teste dos pacientes que param o carro ao lado do quiosque. Entretanto, esse sistema deve ser oferecido de forma complementar aos demais, senão excluirá uma parcela da população que não tem acesso a um automóvel. As propostas citadas podem parecer pequenas em relação a dimensão que a pandemia vem tomando. Porém demonstram que há arquitetos atentos às mudanças causadas pela COVID-19.


O meio urbano foi o primeiro a refletir os efeitos da quarentena, com o esvaziamento das ruas e o fechamento de lojas assim como a diminuição da poluição do ar e rios. Entretanto as mudanças no meio urbano dependem de mais tempo para se consolidarem. Essas mudanças são também sociais e econômicas. Muitas pessoas estão aprendendo a trabalhar remotamente. Outras, aproveitaram esse período para se isolar em áreas rurais, distantes dos grandes adensamentos urbanos. Essa transferência do ambiente de trabalho para um ambiente virtual e a possibilidade de morar distante dos centros urbanos já foi discutida por Toffler nos anos 80. Seria natural se esse movimento acontecesse a partir de um momento de ruptura histórica.


A COVID-19 é uma pandemia em curso que apresentou o primeiro grande obstáculo aos bairros e cidades desenvolvidos a partir do novo urbanismo. As dinâmicas de trabalho desenvolvidas para driblar a quarentena difundiram o uso de ferramentas tecnológicas já existentes. Dessa forma os bairros centrais adensados ficam sujeitos a uma possível nova suburbanização, resultado de uma aversão adensamento excessivo e da difusão do trabalho remoto. Os urbanistas do novo urbanismo e representantes da administração pública das cidades devem apresentar propostas referentes a prevenção a pandemias. Visto que a COVID-19, mesmo após superada, deixará um alerta quanto a possibilidade de novas pandemias.

 
 
 
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