Gestão de Desastres: da resposta à Gestão Integral de Risco de Desastres (GIRD)
- D.ra Maria
- 2 de fev.
- 6 min de leitura
Dra. Maria Rossi
Os desastres, sejam eles naturais ou causados pelo homem, têm mostrado a necessidade urgente de transformarmos a forma como lidamos com suas causas e consequências. Nesse contexto, é fundamental entender os três principais enfoques: Gestão de Desastres (GD), Gestão de Risco de Desastres (GRD) e Gestão Integral de Risco de Desastres (GIRD). Cada um desses conceitos reflete etapas importantes na evolução da abordagem frente aos desafios impostos pelos eventos.
Gestão de Desastres (GD)
A Gestão de Desastres pode ser considerada o modelo mais tradicional, focado principalmente na resposta aos eventos adversos. Este enfoque concentra esforços em ações de emergência e recuperação, como resgates, assistência humanitária e reconstrução. A GD é essencial em momentos críticos, mas é limitada por sua reatividade, já que atua somente nas consequências dos eventos. Ou seja, atua após o impacto, buscando minimizar danos e salvar vidas.
Este modelo de gestão de desastres é tradicionalmente adotado pelo Estado e concentra suas ações em duas fases principais: a fase pré-desastre (preparação, mitigação e prevenção) e a fase pós-desastre (resposta, recuperação e retomada do desenvolvimento). Caracteriza-se por uma gestão centralizada, burocrática e militarizada (Joner, Avila e Mattedi, 2021), o que pode limitar a participação da Sociedade Civil e da comunidade científica na gestão. Segundo o Manual da ONU 'Como construir cidades resilientes" (2017), esse modelo deixa de abordar as causas subjacentes dos desastres, perpetuando a vulnerabilidade das comunidades afetadas.
Gestão de Risco de Desastres (GRD)
Com o avanço da ciência e da percepção dos impactos crescentes dos desastres, surgiu a Gestão de Risco de Desastres. Este modelo amplia o foco ao atuar nas causas dos desastres e incluir estratégias de prevenção, mitigação e preparação, atuando antes do desastre ocorrer.
A Gestão de Risco de Desastres (GRD) é um conjunto de práticas e estratégias voltadas para a identificação, avaliação e mitigação de riscos, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade das comunidades e aumentar sua resiliência. Essa abordagem é geralmente técnica e operacional, incluindo etapas de implementação de medidas de mitigação, preparação, resposta e recuperação (UNDRR, 2015) e envolvendo principalmente órgãos governamentais e especialistas em desastres.
A GRD propõe ações como mapeamento de áreas de risco, fortalecimento da infraestrutura e conscientização comunitária. Por exemplo, estudos como os da UNDRR - United Nations Office for Disaster Risk Reduction (2015) destacam que cada dólar investido em redução de risco de desastres pode economizar até sete dólares em resposta e recuperação.
Apesar de seu avanço, a GRD ainda pode ser limitada quando não aborda de forma integrada os fatores sociais, econômicos e ambientais que amplificam os riscos. Ou seja, a GRD ainda atua de forma fragmentada, sem considerar todas as interdependências dos sistemas sociais e ambientais.
Diante disso, a Gestão Integral de Risco de Desastres - GIRD se consolida como a evolução necessária. Diferente das abordagens anteriores, ela envolve a colaboração entre diversos setores, a integração entre níveis de governança e a participação da sociedade civil. Essa abordagem permite uma resposta mais eficiente e sustentável, além de uma maior resiliência das comunidades.
Gestão Integral de Risco de Desastres (GIRD)
A Gestão Integral de Risco de Desastres (GIRD) representa um passo à frente, com uma abordagem mais ampla e abrangente (holística). Este modelo compreende que os desastres não são eventos isolados, mas sim fenômenos relacionados a vulnerabilidades estruturais, desigualdades sociais e mudanças climáticas. Ou seja, pressupõe a construção social dos desastres, considerando a multifatorialidade (multicausalidade), a multidimensionalidade dos eventos (Mattedi, Avila, Spiess e Ludwig, 2024).
A GIRD integra as dimensões de prevenção, preparação, resposta e recuperação, buscando fortalecer as capacidades locais e promover o desenvolvimento sustentável. Conforme o Marco de Sendai - 2015-2030 (ONU, 2015), a GIRD exige a participação de múltiplos atores, incluindo governos, sociedade civil e setor privado, para abordar os riscos de forma sistêmica e integrada.
O modelo não se limita apenas às medidas técnicas, mas também considera fatores sociais, econômicos, ambientais e institucionais. Esse modelo promove a interconexão e a colaboração entre diferentes setores e níveis de governo, além de incentivar a participação ativa da Sociedade Civil em todo o processo. A GIRD visa incorporar a gestão de riscos em todas as políticas e práticas, integrando e conectando ações de prevenção, preparação, resposta e recuperação (Lavell et al., 2012; Brasil, 2024; Gomes, Mello e Coutinho, 2024).
Tanto a GRD como a GIRD, têm como foco a Redução do Risco de Desastres, preconizada nos Marcos de Ação de Hyogo e Sendai. Uma das principais diferenças entre a GRD e a GIRD é o nível de integração e conexão e a participação dos diferentes atores envolvidos. Enquanto a GRD tende a ser mais setorial e centrada em um nível governamental específico, a GIRD promove uma abordagem intersetorial (políticas públicas) e multinível (federal, estadual, regional e internacional), envolvendo desde autoridades locais até o governo nacional, bem como a Sociedade Civil.
Além disso, a GIRD enfatiza a necessidade de um planejamento contínuo e adaptativo, que leva em conta as mudanças e novas informações ao longo do tempo como já previam Lavell et al. (2012). Em resumo, embora a GRD e a GIRD compartilhem o objetivo comum de reduzir os riscos e impactos dos desastres, a GIRD oferece uma visão mais abrangente e inclusiva, que integra diversos aspectos da sociedade em todos os níveis de gestão.
A urgência de avançar para a GIRD
A transição para a Gestão Integral de Risco de Desastres - também denominada em alguns países como Gestão Integrada de Risco e Desastres - não é apenas uma questão técnica, mas uma necessidade urgente frente às crises climáticas, ao aumento da população em áreas de risco, ao aumento da recorrência, da intensidade e da dinâmica dos desastres no mundo todo. Continuar investindo em modelos fragmentados pode gerar soluções temporárias, enquanto a GIRD nos oferece a oportunidade de transformar a relação entre o ser humano e o ambiente, promovendo resiliência, reduzindo desigualdades e permitindo a participação da sociedade civil nos processos decisórios da gestão.
Ao adotarmos a GIRD como princípio orientador temos mais chances para enfrentar de forma efetiva os desafios contemporâneos no campo dos desastres, avançando para uma gestão de riscos que priorize a vida, a equidade e a sustentabilidade com foco na participação social. Wisner et al. (2004) em seu estudo sobre vulnerabilidades, destacam que para avançar em efetividade na gestão de risco de desastres, faz-se necessário priorizar as pessoas e suas capacidades no centro de qualquer estratégia, aspecto ressaltado também por Nappi e Souza (2019) e Lopes e Samora (2022). Os primeiros enfatizam o papel fundamental do envolvimento de atores locais ao estimular o desenvolvimento da resiliência, integrando o desenvolvimento social nos programas de redução da vulnerabilidade. Os segundos destacam a integração entre a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC) e o empoderamento comunitário no Brasil valorizando o conhecimento local.
A implementação da GIRD ainda enfrenta desafios, como a necessidade de coordenação interinstitucional e o fortalecimento das capacidades locais. No entanto, experiências internacionais demonstram que essa abordagem é eficaz na redução dos impactos dos desastres e na promoção do desenvolvimento sustentável. Para avançarmos nesse sentido, é essencial investir em políticas integradas, capacitação e participação comunitária, garantindo que a gestão de desastres não seja apenas reativa, mas também preventiva e resiliente.

Referências
BRASIL. Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Gestão Integral de Risco de Desastres: abordagens teóricas e metodológicas. Caderno Técnico GIRD +10, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/protecao-e-defesa-civil/gestao-integrada-de-riscos-e-desastres. Acesso em: 2 fev. 2025.
GOMES, D. H.; MELLO, A. M. de; COUTINHO, M. L. G. Gestão de projetos complexos e incertos no contexto de desastres naturais: o caso do projeto de gestão integrada em riscos. Periódicos UFFS, 2024. Disponível em: https://periodicos.uffs.edu.br. Acesso em: 2 fev. 2025.
Joner, K.; Avila, M. R. R.; e Mattedi, M. A. Territorialidade e desastre: a gestão dos desastres no Brasil com base no estudo de caso da Defesa Civil em Santa Catarina. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v.13, e20200061. 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-3369.013.e20200061
Lavell, A., Oppenheimer, M., Diop, C., Hess, J., Lempert, R., Li, J., Muir-Wood, R., Myeong, S., Takeuchi, K., Cardona, O. D., Hallegatte, S., Lemos, M. C., Little, C. M., e Weber, E. Climate change: new dimensions in disaster risk, exposure, vulnerability, and resilience. In: C. B. Field, C. B.; Barros, Stocker, V. T. F.; Qin, D.; Dokken, D. J.; Ebi, K. L.; Mastrandrea, M. D.; Mach, K. J.; Plattner, G. K.; Allen, S. K.; Tignor, M. e Midgley, P. M. (Eds.), Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance Climate Change Adaptation (pp. 25–64). 2012 Cambridge University Press.
Mattedi, M.; Avila, M.; Spiess, M. e Ludwig, L. (2024). Aplicações do conceito de vulnerabilidade na abordagem dos desastres. Caderno CRH, 37, e024051. DOI: https://doi.org/10.9771/ccrh.v37i0.56009
Nappi, M.; Souza, M. M. Redução de riscos de desastres e desenvolvimento sustentável: uma abordagem integrada. Revista de Gestão Urbana, v. 11, n. 2, p. 87-102, 2019. Disponível em: https://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cpgau/article/view/2018.2.Nappi. Acesso em: 02 fev. 2025.
ONU – Organização das Nações Unidas. Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030. Genebra: Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR), 2015. Disponível em: https://www.undrr.org/publication/sendai-framework-disaster-risk-reduction-2015-2030 Acesso em: 02 fev. 2025.
Silva, M. L. da.; Samora, P. R. Gestão de desastres e empoderamento comunitário: perspectivas críticas para a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 24, n. 53, p. 345-367, 2022. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/view/57576. Acesso em: 25 fev. 2025.
United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UNDRR). Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction 2015. Geneva: UNDRR, 2015. Disponível em: https://www.undrr.org/publication/global-assessment-report-disaster-risk-reduction-2015. Acesso em: 02 fev. 2025.
UNDRR - United Nations Office for Disaster Risk Reduction. Como Construir Cidades Mais Resilientes: um Manual Para Líderes do Governo Local. Uma Contribuição para a Campanha Mundial de 2010-2020. Genebra, versão 2017.
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