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  • Foto do escritorMaiko Rafael Spiess

MEDINDO O DISTANCIAMENTO SOCIAL (11/04)

Prof. Dr. Maiko Rafael Spiess

Universidade Regional de Blumenau


Com o passar dos dias de pandemia, cresce a tensão entre a manutenção da política de Distanciamento Social e a retomada das atividades comerciais e produtivas. Neste sentido, ainda caminhamos no escuro. Por um lado, não sabemos os reais efeitos econômicos do isolamento da população: os dados macroeconômicos existentes são, em sua maioria, projeções; os relatos individuais não significam necessariamente tendências gerais. De fato, alguns setores parecem apresentar um certo incremento das atividades, como no caso dos empregos temporários em supermercados e atividades de tele entrega.


Por outro lado, também desconhecemos a dinâmica e os efeitos reais do Distanciamento Social. Sua adesão real pode variar drasticamente entre diferentes regiões e classes sociais. Além disso, um mesmo indivíduo pode, ao longo do tempo, adotar ou ignorar o isolamento conforme suas necessidades, pressões externas e percepção dos riscos. Sobretudo, devemos notar que as medidas de isolamento possuem uma característica paradoxal: quanto mais bem-sucedidas, mais desnecessárias parecem ser. Com o retorno da circulação de pessoas, ocorre a tendência do aumento dos casos.


Portanto, tão importante quanto o acompanhamento do número de casos e óbitos, são a mensuração e avaliação das políticas de isolamento. Neste sentido, gradativamente surgem informações sobre a adoção das práticas de isolamento provenientes de diferentes fontes e baseadas em variadas metodologias. Por exemplo, uma pesquisa do Datafolha, publicada em 07/04, indica que “28% dos brasileiros não estão em isolamento social”. Essa pesquisa foi realizada com 1.511 brasileiros de todas as regiões, por telefone, entre os dias 1º e 3 de abril.


É claro que esses dados podem ter certas fragilidades. Primeiro, é possível pensar que possam existir alguns vieses na amostragem: por exemplo, pode ser que a pesquisa tenha capturado apenas a opinião de quem está mais disposto a atender ligações telefônicas. Segundo, como a temática do isolamento tornou-se altamente polarizada, algumas pessoas podem responder de acordo com aquilo que elas pensam que é a resposta socialmente aceitável (por exemplo, a favor do isolamento ainda que não o cumpram). Terceiro, a pesquisa reflete um momento muito específico no tempo: quem estava isolado ontem pode decidir sair de casa hoje, e vice-versa.


Todavia, essas limitações não significam que não devemos realizar tais pesquisas ou utilizar seus resultados para pensar o enfrentamento à COVID-19. Pelo contrário, é necessário intensificar a produção estruturada de dados e aumentar sua precisão. Em outras palavras, devemos: a) construir estudos que identifiquem recorrências e diferenças regionais, temporais e de perfil social, lembrando ainda que, estatisticamente, a acurácia da média de dados agregados é sempre maior do que os resultados de uma única pesquisa; b) analisar recortes gradativamente mais específicos, para compreender dinâmicas que podem escapar na análise macro.


Vale ressaltar que a disseminação dos smartphones e das ferramentas de geolocalização permitiu um salto tecnológico no acompanhamento da movimentação dos indivíduos e, portanto, a possibilidade de monitoramento de populações. Ainda que as implicações éticas do rastreamento em tempo real da localização de usuários seja uma temática complexa e delicada, não é possível negar sua imensa capacidade de produção de dados de forma massiva, quase imediata e a baixo custo. Nesta direção, já surgem alguns levantamentos importantes.


Obviamente, as grandes empresas de tecnologia possuem um papel privilegiado nestes esforços. A Google, por exemplo, divulgou recentemente uma ferramenta que sintetiza mudanças no padrão de mobilidade de países e regiões. De acordo com o relatório, divulgado em 29/03, no Brasil houve uma redução de 71% da circulação em estabelecimentos de varejo e entretenimento desde meados de fevereiro. No mesmo período, a geolocalização de aparelhos nas residências subiu em 17%. Em Santa Catarina esses números foram, respectivamente, de -80% e +20%.


Também em Santa Catarina, uma tecnologia semelhante tem sido empregada pela Polícia Militar. Os resultados desse monitoramento indicam que cerca de 60% dos catarinenses permanece predominantemente em casa, apesar da discussão pública sobre a reabertura do comércio. Dados futuros produzidos pelos mesmos métodos permitirão um acompanhamento inédito da população em condições de emergência pandêmica, bem como a identificação de áreas e perfis sociais que mais aderem ou resistem às políticas de isolamento sanitário.


Se considerarmos a pandemia do novo coronavírus como uma espécie de experimento natural, é imperativo que cientistas sociais, autoridades e gestores estejam atentos às tendências sociais e, sobretudo, que façam uso dos recursos científicos e tecnológicos disponíveis para compreender a dinâmica e impacto desta emergência. Mais precisamente, a situação atual é grave e, justamente por isso, é preciso reconhecer a mudança substancial na pesquisa social que se desenrola muito rapidamente diante de nós. Nunca os dados e a habilidade de produzi-los e interpretá-los foram tão importantes.


Atualização: Enquanto este texto era finalizado, novos dados obtidos a partir do monitoramento de dispositivos móveis já indicam uma redução, em todo território nacional, das práticas de Distanciamento Social. No caso de Santa Catarina, verificou-se que entre 31 de março e 6 de abril houve uma queda no índice de isolamento: de 61%, para menos de 55%. Em termos epidemiológicos, os efeitos dessa redução serão avaliados apenas no futuro, decorrida a janela de tempo entre contágio, incubação e manifestação de sintomas da COVID-19.


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