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O PESO DO FUTURO (02/04/20)

Atualizado: 3 de abr. de 2020

Dr M. Mattedi Universidade Regional de Blumenau mam@furb.br


Nosso dilema atual é grave: salvar vidas ou salvar empregos? Mais precisamente, considerar os efeitos de curto prazo (Impactos Diretos) ou olhar para os efeitos de longo prazo (Impactos Indiretos). Devemos, assim, considerar a sustentabilidade do sistema de saúde ou a viabilidade da atividade econômico... Ou seja, o dilema é como, diante da dissolução das bases normativas universalizantes e da ambivalência do processo de inovação tecnológica, determinar se as decisões tomadas no presente serão vistas, como justas moralmente e adequadas tecnicamente, no futuro. A questão, portanto, é saber como a gestão da COVID-19 será vista em 2021?


Desde o início da COVID-19 formou-se um consenso sociotécnico sobre a eficácia das medidas Confinamento Social propostas pela OMS na contenção da propagação do vírus. As medidas de Confinamento Social partem do pressuposto que o ritmo de propagação do vírus constitui uma propriedade da intensidade das relações sociais. Afinal, quanto menor a quantidade de contatos diretos que uma pessoa estabelece, menor o risco de contaminação. Visam, neste sentido, retardar o ritmo de contaminação da população interrompendo as cadeias de transmissão. Os resultados positivos observados na Ásia acabaram generalizando sua aplicação.


A questão é como o processo Confinamento Social deve ser implementado. Atualmente é possível diferenciar duas posições predominantes: a) Maximalista: Confinamento Social estrito que é aplicado a toda a população (Isolamento Horizontal); b) Minimalista: Confinamento Social seletivo que é aplicado somente aos grupos de risco (Isolamento Vertical). Neste sentido, enquanto o Isolamento Horizontal enfatiza a importância dos Impactos Diretos de curto prazo; o Isolamento Vertical da prioridade aos Impactos Indiretos de longo prazo. Trata-se, assim, de determinar se estamos fazendo muito (Excessivo) ou se estamos fazendo pouco (Insuficientes).


Assim, por um lado, se a intensidade dos contatos diretos não for drasticamente diminuída existe risco de sobrecarregar a capacidade suporte do sistema de saúde. Devido as características assintomáticas do contágio, a curva de propagação obedece a uma função logística (Curva em S). Nesse sentido, a concomitância de infecções em poucas semanas provocará o colapso a capacidade de atendimento. Este processo pode levar ao racionamento e a aplicação de regras de prioridade entre os pacientes – os que tem mais tempo de vida devem ser priorizados. Portanto, se adotarmos a posição Minimalista corremos o risco de pecar insuficiência de precaução.


Contudo, por outro, um efeito colateral do Confinamento Social é que ele acaba bloqueando também a cadeia a de produção econômica. A imobilidade das pessoas reduz o consumo, a redução do consumo interrompe a produção, a interrupção da produção provoca demissões, demissões... Os impostos. Ou seja, o Confinamento Social pode desencadear uma depressão global. Desse modo, as demissões em massa provocadas pelo colapso da economia irão alterar bruscamente a morbidade da população. Afinal, a renda constitui um dos maiores preditores da saúde. Portanto, adotando a posição Maximalista podemos pecar por excesso de precaução.


Assim, como lidar, ao mesmo tempo, com as consequências sanitária e econômicas da COVID-19? Ou seja, para serem ótimas as medidas devem proteger o sistema de saúde e, simultaneamente, evitar o colapso da economia. Para salvar o maior número de vidas possíveis precisamos evitar a sobrecarga do sistema de saúde, mas também, garantir que este processo não destrua a economia: o senso de emergência envolve a necessidade de amortecer o impacto sanitário da COVID-19 e impulsionar as atividades produtivas. Como pode-se observar, devido à complexidade do processo, pequenos erros de calibragem podem ter grandes consequências sociais.


Isto acontece porque a gestão da COVID-19 não é linear. Pois não se trata somente de comparar a utilidade epidemiológica do Isolamento Horizontal e do Isolamento Horizontal; e, inversamente, comparar a utilidade econômica do Isolamento Horizontal e do Isolamento Vertical, efetuar a análise de custo e benefícios e, depois, escolher. É que o debate entre as posições Maximalista e Minimalista se estabelece num cenário de informações imperfeitas. Desta forma, os cenários disponíveis permanecem ainda muito incertos. Afinal, as diferenças entre o Isolamento Horizontal e o Isolamento Vertical não são de ordem discretas, mas contínuas.


Por isto, a gestão de situações de emergência deve ser condicional. Entre as posições Maximalistas e Minimalistas existem quatro opções: a) a Maximalista pode estar certa; b) a Minimalista pode estar certa; c) as duas estratégias estarem certas; d) as duas estratégias estarem erradas. É bem possível que ambas estejam certas e erradas ao mesmo tempo... Isto acontece porque a gestão da emergência se estabelece por um ajuste contínuo das medidas no processo de implementação. Portanto, estamos submetidos ao Paradoxo das Consequências: boas intenções pode ter consequências positivas, enquanto más intenções podem ter consequências positivas.


É que agir no presente tendo vista um acontecimento futuro recai sempre na Inconsistência Temporal. A Inconsistência Temporal diz respeito a tendência de mudança de preferências ao longo do ponto. Ou seja, o “agora” (Presente) tem sempre maior valor que o “depois” (Futuro). Desse modo a percepção gestão da COVID-19 no futuro depende, fundamentalmente, de duas questões: a) Perfeição do Compromisso: a adequação técnica das estratégias; b) Completude do Contrato: a capacidade de implementação da estratégia. Ou seja, a eficácia das repostas Maximalista e Minimalista depende tanto do diagnóstico técnico quanto do consenso político.


Portanto, como salvar o maior número de pessoas? A gestão da COVID-19 implica escolhas. E escolhas comportam sempre uma margem de indeterminação. Por isto, é inevitável que gerem mal-entendidos, insatisfação ou contestação... E é por isso também que as escolhas devem ser progressivamente condicionais. Pesar os efeitos emergentes dos critérios e ajustar as decisões em função das novas informações. Afinal, as decisões não são incompatíveis: salvar vidas não significa destruir empregos, e salvar empregos não implica destruir vidas... Assim, a disjuntiva saúde e economia é falsa, porque as recompensas imediatas pesam mais que as futuras.

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