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Prof. Dr. Maiko Rafael Spiess

A emergência do novo coronavírus impôs uma mudança brusca nas rotinas de aula da FURB: em um curtíssimo tempo, as atividades de ensino que eram majoritariamente presenciais migraram em sua quase totalidade para um modelo remoto, mediado por tecnologias. Essa transição brusca foi uma resposta da instituição aos Decretos 515/2020 e 554/2020 publicados pelo Governo do Estado de Santa Catarina, que suspenderam as aulas em todo o território catarinense. Trata-se, portanto, de uma imposição legal e uma precaução com a saúde coletiva da comunidade universitária.


No entanto, mudanças como essa não ocorrem sem esforço e adaptação. Sobretudo, considerando que as aulas remotas são um arranjo contingencial, é preciso empenho constante para a manutenção do interesse de estudantes e professores. Nesta direção, a pesquisa realizada pelo NET - Núcleo de Estudos da Tecnociência, procurou esclarecer a percepção dos alunos sobre as aulas remotas, considerando os aspectos das condições materiais e práticas (acesso à Internet, uso de equipamentos e existência de espaços adequados para os estudos) e as experiências pedagógicas (qualidades e pontos fracos das aulas mediadas tecnologicamente).


Do ponto de vista das condições materiais e práticas para os estudos remotos, as respostas dos estudantes permitem concluir que a maioria possui boas condições para o acompanhamento das atividades pedagógicas. Essas condições foram verificadas por meio de duas questões: uma delas a respeito da adequação do ambiente doméstico para os estudos (Gráfico 1) e a outra sobre a capacidade de reservar um horário do dia para estudos (Gráfico 2). Em ambos os casos, os percentuais das respostas foram muito similares: aproximadamente 30% de respostas negativas e 70% de respostas positivas.

Gráfico 1

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Gráfico 2

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Esses resultados são importantes. No entanto, cabe destacar algumas ressalvas. A primeira delas diz respeito ao processo de coleta de dados: uma vez que os dados foram obtidos por meio de formulário on-line, a pesquisa pode estar excluindo estudantes que não tenham as condições devidas para as aulas remotas (por exemplo, não possuem computador ou acesso à Internet). Em um segundo ponto, vale lembrar que quando perguntados sobre as principais dificuldades relativas às aulas remotas, os estudantes observam algumas fragilidades relacionadas às suas condições práticas para as aulas remotas (Gráfico 3).


Gráfico 3

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Neste aspecto, é significativo o número total de menções às distrações durante o período de aulas (684). Isso quer dizer que quase 70% dos estudantes estão sujeitos a algum tipo de distração, provavelmente ocasionadas pela rotina do lar ou o uso concomitante de navegador de Internet, aplicativo de mensagem ou redes sociais. Além disso, cerca de metade dos respondentes indica problemas com conexão de Internet, possivelmente se referindo à lentidão ou quedas de serviço que podem interferir nas aulas síncronas por meio do aplicativo Microsoft Teams e outras atividades.


As respostas abertas agrupadas em “Outros” também dão alguns indicativos de possíveis dificuldades encontradas, tais como: falta de hardware adequado (computador, microfone, webcam) ou acessibilidade para alunos com necessidades especiais. Portanto, ainda que uma parcela considerável dos estudantes demonstre boas condições, é preciso atentar para as dificuldades práticas encontradas por uma outra parcela deles. Neste sentido, é necessário um acompanhamento mais detalhado para identificar os perfis de estudantes que estão com dificuldades práticas de acesso e para elaborar formas para contorná-las.


A pesquisa procurou averiguar também a qualidade das experiências pedagógicas dos estudantes desde o início das aulas remotas. Neste sentido, a falta da interação presencial em sala de aula, a falta de adaptação de professores e alunos, e as dificuldades com uso das ferramentas tecnológicas (Gráfico 3) indicam potenciais obstáculos para o aproveitamento geral das aulas. Assim, é possível supor que exista um problema dado pelo descompasso entre a transição rápida para as aulas remotas e a curva de aprendizado necessária para o uso das ferramentas e adaptação geral ao novo modelo.


Novamente, as respostas abertas agrupadas em “Outros” são indicativas de alguns possíveis pontos de interesse, tais como: a falta de atividades práticas, alta carga de atividades programada pelos professores e até mesmo casos pontuais de professores que tiveram uma má adaptação ao modelo ou que sequer aderiram às aulas remotas. Este é um ponto sensível, pois uma baixa avaliação das aulas pode diminuir, a médio e longo prazo, o engajamento dos estudantes. Todavia, considerando que esses problemas vêm sendo abordados pela Universidade, é possível que esses aspectos tenham sofrido alguma melhora desde a aplicação da pesquisa entre os dias 13 e 18/04.


Ainda em relação às dimensões pedagógicas das aulas remotas, é interessante notar que aspectos mais imediatamente relacionados às medidas de isolamento (como “Comodidade e praticidade” e “Segurança”) tenham mais destaque como pontos positivos do modelo em comparação a questões como a “motivação dos professores”, uso de “conteúdos dinâmicos” e “interatividade” (Gráfico 4). Dentre os pontos mencionados em “Outros”, podemos destacar as menções às gravações das aulas e possibilidade de revê-las posteriormente e os ganhos de tempo com deslocamento.


Gráfico 4

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Além disso, os estudantes foram também questionados a respeito do seu nível de adaptação às aulas remotas (Gráfico 5) respondendo em uma escala de 1 (Muito baixo) até 10 (Muito alto). A média das repostas foi 6,452. As respostas com a nota mínima somaram 3,4% e com a nota máxima 9,1%. Considerando as avaliações acima de 5, temos um total de 67,1% de avaliações positivas sobre a condução das aulas remotas. Em linhas gerais, considerando a faixa etária da maioria dos estudantes (alfabetizados digitais) e seus altos índices de uso da Internet, é possível afirmar que os respondentes se adaptaram de forma relativamente positiva às aulas remotas.


Gráfico 5

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Todavia, é possível supor que o prolongamento da pandemia e das medidas de isolamento impliquem em uma fadiga digital (leia mais aqui e aqui). Logo, é possível que se aprofundem os problemas práticos para continuidade da rotina das aulas e a avaliação geral da experiência, diminuindo o engajamento dos alunos e sua satisfação com o modelo, eventualmente aumentando a evasão estudantil e outros problemas. Dessa forma, é importante que os docentes e as diferentes instâncias da Universidade atentem para os desafios impostos pela prorrogação da suspensão das aulas presenciais por tempo indefinido.


A partir dos resultados da pesquisa, é possível propor que um fator importante para uma melhor percepção das aulas remotas e satisfação dos estudantes é a relação entre a disponibilidade de condições práticas e a qualidade da experiência pedagógica (Figura 1). Assim, é importante que as ações da instituição estejam voltadas para contornar obstáculos relacionados a estas duas dimensões, de forma a aumentar a percepção positiva geral sobre as aulas remotas durante a pandemia. Isto implica em: 1) agir para identificar e tentar mitigar as dificuldades práticas dos estudantes; 2) tentar melhorar os aspectos pedagógicos do modelo de oferta.

Figura 1 - Relação entre as condições e as experiências

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Em outras palavras, é necessário que a FURB consiga fazer com que alunos que estão nas posições A e B (condições precárias e experiências ruins) se desloquem inicialmente para as posições C, D e, finalmente, para a posição E. Do ponto de vista das condições práticas, por exemplo, isso pode ser fomentado por meio da divulgação de materiais instrucionais sobre boas práticas de estudo; em relação às experiências pedagógicas, isso pode passar pelo acompanhamento e formação dos professores, principalmente aqueles que apresentam maiores dificuldades com o modelo.


Para concluir, é preciso antecipar a provável continuidade da suspensão das aulas por um período médio ou longo e, portanto, os impactos possíveis da emergência nos processos de ensino-aprendizagem. Considerando a centralidade das receitas provenientes do Ensino para a Universidade e, principalmente, a qualidade da formação oferecida aos estudantes, torna-se fundamental que também a adaptação do corpo docente e administrativo seja investigada e problematizada. Afinal, professores e pessoal de suporte possuem um papel essencial na manutenção do engajamento e melhora no aproveitamento das atividades de ensino.

 
 
 
  • 1 de mai. de 2020
  • 4 min de leitura

Dr. M. MATTEDI

Universidade Regional de Blumenau


O recente relatório da pesquisa A FURB E O DISTANCIAMENTO SOCIAL realizada pelo Grupo de Pesquisa NET-dr apresenta achados muito importantes para a FURB. A pesquisa sondou cerca de mil estudantes sobre questões relacionadas ao Distanciamento Social e as atividades acadêmicas on-line. Embora a consistência da relação entre as variáveis dependa ainda da testagem estatística e da realização de novas séries, já é possível entrever alguns resultados significativos. Eles dizem respeito não somente ao Distanciamento Social, mas também ao próprio perfil do aluno. Sobretudo, os resultados da pesquisa parecem corroborar a tese das duas FURB.


A tese das duas FURB refere-se a divisão institucional entre o Aluno-Profissional (Full time) e o Aluno-Trabalhador (Part time). O Aluno-Profissional compreende o estudante que se dedica exclusivamente às atividades acadêmicas em cursos diurnos e que é dependente dos pais; já o Aluno-Trabalhador é obrigado a trabalhar, financia sua formação e, frequentemente, estuda no período noturno. Os dois tipos de estudantes refletem as transformações institucionais que marcaram a FURB, mas também a região a partir dos anos 90 com o crescimento dos cursos nas áreas de saúde e tecnologia e o declínio das áreas de ciências sociais aplicadas e de educação.


Esta suposição se explicita quando examinamos o perfil dos estudantes pela fonte de renda. Afinal, se considerarmos os dois maiores estratos do Gráfico 1 verificamos que 42,70% são dependentes dos pais, enquanto 34,70% dos respondentes são trabalhadores formais. E quando somamos os que trabalham e estudam este total representa 44,20%, enquanto os alunos que só estudam atingem 55,80%. A consideração destes dados indica que a FURB está dividida ao meio: é interessante porque mostra que progressivamente a FURB vai deixando de ser uma universidade de Aluno-Trabalhador e vai se tornando uma universidade de Aluno-Profissional.


Gráfico 1 – Estudantes por fonte de renda

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Ao mesmo tempo, os dados permitem diferenciar padrões distintos de engajamento no Distanciamento Social. Neste sentido, considerando a percepção do risco é possível diferenciar dois tipos básicos de engajamento. De um lado, verifica-se uma tendência de forte aderência ao Distanciamento Social; de outro, destaca-se uma postura de fraca resistência ao Distanciamento Social. Isto indica que o padrão predominante dos alunos da FURB é de aderência ao Distanciamento Social está relacionado a condição de renda como indica o Gráfico 2. A suposição é, portanto, que quanto maior a renda maior o engajamento no Distanciamento Social.


Gráfico 2 – Tipo de renda por condições de isolamento

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Ou seja, quando comparamos estes dados com as condições de Distanciamento Social verificamos, ao contrário, uma relação de equivalência. O Aluno-Profissional e o Aluno-Trabalhador apresentam basicamente as mesmas condições de isolamento social. Afinal, quando contrastamos as condições de isolamento com a renda não existe uma diferença significativa. Porém, quando consideramos os Bolsistas, as condições boas diminuem, proporcionalmente, aos dependentes dos pais e aos trabalhadores formais, como indica o Gráfico 3. Isto, claro, se deve a própria condição de bolsista ou, talvez, a alguma causa espúria que a pesquisa não capturou.


Gráfico 3 – Engajamento por tipo de renda

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Consequentemente, o trabalho e a renda dos estudantes determinam as condições de isolamento social. Isto nos faz supor que quanto maior a renda e trabalho maior a propensão ao isolamento. É que quanto mais estável do ponto de vista do trabalho e quanto maior a renda maior a aderência ao Distanciamento Social. Neste sentido, os dados do Gráfico 3 cruzados com os dados do Gráfico 4 exprimem esta tendência. Afinal, assinala a relação entre a adesão ao Distanciamento Social por meio vínculo entre renda e atividades econômicas não essenciais.


Gráfico 4 – Condições econômica com atividades comerciais

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Isto acontece porque é renda a que determina o engajamento como indica a força das relações apresentadas pela Tabela 1. Embora, a força explicativa da relação não seja muito intensa, fica muito evidente o movimento da tendência, principalmente, quando se trata de trabalho formal e informal. O apoio sobe em função da renda: quanto maior a renda, maior o apoio ao Distanciamento social. Isto indica que se o aluno é autônomo ou informal e tende a ser contrário ao isolamento social, enquanto se ele for dependente dos pais ou trabalhador ele é a favor do isolamento social. Neste sentido, que trabalha se isola menos.


Tabela 1 – Relação entre renda e isolamento

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Para tentar explicar este processo podemos criar uma Matriz Analítica cruzando o Perfil de Aluno com o Padrão de Engajamento. Estas duas dimensões permitem a criação de quatro tipos predominantes de postura dos alunos frente ao Distanciamento Social:


TIPO A: alta disponibilidade com alta consciência;

TIBO B: baixa disponibilidade com alta consciência;

TIBO C: alta disponibilidade com baixa consciência;

TIPO D: baixa disponibilidade com baixa consciência.


Matriz Analítica 1

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A FURB nasceu para atender o Aluno-Trabalhador e foi se transformando numa universidade de Aluno-Profissional. Neste sentido, a pesquisa indica que apesar da diferença estruturante entre os alunos part time e os alunos full time não existe diferença significativa no que se refere ao Distanciamento Social. O predomínio assinalado pelo Gráfico 3 indica que entre os estudantes prevalecem os tipos A e B de comprometimento. Ou seja, as condições sociais de estudo não afetam no engajamento ao Distanciamento Social. Portanto, a pesquisa realizada pelo NET-dr parece indicar que as duas FURB se engajaram no Distanciamento Social.






 
 
 
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