Dr M. Mattedi
Universidade Regional de Blumenau
Para a maioria das pessoas viver no Brasil sempre foi um desafio cotidiano. Porém, atualmente, está se tornando insuportável. Além das ameaças de perder a vida ou o emprego, agora somos submetidos também ao risco de diluição das regras democráticas. Assim, a natureza complexa, urgente e dinâmica da crise continua a evoluir e transformar constantemente as condições sociais existentes. Neste sentido, constitui um desafio não somente cognitivo, mas também prático. Por sito, não dá mais para ignorar o sinal vermelho. Afinal, em meio crescimento exponencial de mortes, desemprego e porradas viver no Brasil depende de capacidade de resistir a três ameaças:
a) Curva do Contágio (Crise Sanitária): incapacidade de monitorar adequadamente e agir consistentemente sobre a COVID-19. Por um lado, não conseguimos ainda produzir informações sistemáticas sobre o processo de contágio; por outro, não conseguimos estabelecer uma estratégia de gestão integrada. O Distanciamento Social acabou se tornando insuportável porque foi longo demais, porém não foi rígido o suficiente para controlar a pandemia. O efeito combinado destes dois processos torna a passagem da COVID-19 ainda mais longa e, consequentemente, mais letal.
b) Curva do Desemprego (Crise Econômica): a recusa de organizar a assistência econômica. Assim, por um lado, inconsistência das medidas fez o PIB retroceder 1,5% com relação ao do primeiro trimestre de 2019; por outro, a renda da população entrou em colapso. Por isto, a COVID-19 pode causar além da recessão, uma deflação com a queda da demanda de por bens e serviços não essenciais, devido a diminuição de gastos dos consumidores e empresas. O resultado constitui o inevitável aumento das desigualdades sociais. Sim, porque não há sinal no horizonte de que as coisas podem melhorar.
c) Curva da Polarização (Crise Política): a explicitação autoritária do Governo Bolsonaro. A mistura de negacionismo cognitivo e radicalismo ideológico por parte do Bolsonarismo potencializa as crises sanitária e econômica. A transformação da Polarização Cultural (costumes), para a Polarização Política (ideológica), para a Polarização Institucional (poderes), parece transbordar para as ruas. Na confusão se fortalece o Presidente que está ameaçado em diversas frentes. Afinal, o Presidente precisa da anarquia para aplicar as leis anti-terrorismo e chamar os militares para resolver a situação.
Somos, portanto, prisioneiros do pior dos mundos: não conseguimos controlar a COVID-19, como também não conseguimos ativar a econômica, e ainda corremos o risco de iniciar um ciclo de repressão política. É que para não perder o apoio que resta o Presidente Bolsonaro não pode deixar de radicalizar sua posição; porém, ao radicalizar sua posição aumenta a divisão política, e, assim, dificulta ainda mais a gestão da crise. Neste sentido, acabamos reféns da política de polarização promovida pelo presidente. Por isto, o encontro da Curva do Contágio com a Curva do Desemprego e a Curva da Polarização desencadeia um novo fenômeno: a Curva do Desespero.
A Curva do Desespero denota o aumento da incerteza sobre as condições de vida tanto no curto, quanto no médio e longo prazo no Brasil. Mais precisamente, a conjunção da crise sanitária, econômica e política desencadeia efeitos perversos constantemente. Indica, assim, que o horizonte de previsibilidade foi rebaixado a um nível de acontecimentos diários. Isto significa que não se consegue organizar a vida para além de alguns dias. Como tudo pode acontecer a todo momento é preciso examinar a situação constantemente para saber o que fazer. Consequentemente, a Curva do Desespero exprime a insensibilidade face a tragédia humanitária.
Assim, nada do que acontece atualmente pode ser descontextualizado da Curva do Desespero. A intensificação do contágio e sua contenção; a intensificação do desemprego e sua redução; intensificação do autoritarismo e sua resistência operam conjuntamente. Se o contágio aumenta, diminui o emprego e aumentam os conflitos; isto significa, inversamente, que para resolver o problema sanitário e econômico, é preciso resolver também o problema político. Afinal, trata-se de uma crise tríplice. Por isto, necessitamos distinguir o que é realmente novo na crise atual, do que constitui características sanitária, econômica e política recorrentes.
O que está em jogo é, portanto, quem pagará a conta da crise tríplice. Mais precisamente, na tragédia humanitária esconde-se a disputa pela definição de quem perde e quem ganha com a crise tríplice. Por um lado, envolve a questão da definição do acesso aos recursos; e, por outro, de garantir o processo de reprodução dos grupos sociais. Trata-se, assim, de uma disputa, ao mesmo tempo, individual e coletiva. Afinal, mobiliza, ao mesmo tempo, os interesses de segurança, consumo e ideológico tanto da pessoa isoladamente quanto de grupos sociais. Neste sentido, deve ser entendida como uma luta pela sobrevivência física, social e política.
O vírus, o desemprego e o Bolsonaro vão matando a esperança de viver. Afinal, agora somos obrigados a lutar contra a COVID-19, a recessão e o autoritarismo. Assim, não se trata mais de saber como a crise surgiu, mas, apenas, de como podemos deter a Curva do Desespero (contágio, empobrecimento e autoritarismo). Isto significa que nossa luta atual é tripla: saúde, renda e liberdade. Por isto, neste momento de forte ansiedade e grandes incertezas é preciso encontrar forças para resistir. Afinal, o que nos resta de segurança, renda, e liberdade vai desaparecendo rapidamente. E só existe uma forma de imunidade contra a Curva do Desespero: Lutar!
A Curva do Desespero indica o estabelecimento de uma crise humanitária. Mais precisamente, indica que estamos vivendo uma emergência, ao mesmo tempo, sanitária, econômica e política. Esta crise desafia tanto o conhecimento existente quanto as fronteiras organizacionais e, sobretudo, a resistência institucional. Não existe forma de reduzir o crescimento da Curva do Contágio e da Curva de Desemprego sem resolver antes a Curva de Polarização. Nossas crises sanitária e econômica são, na verdade, o efeito emergente de uma crise política. Não existe condições de salvar vidas e garantir a subsistência sem neutralizar o Bolsonarismo.