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O PARADOXO DA COVID-19 (16/05/20)

Dr M. MATTEDI

Universidade Regional de Blumenau

mam@furb.br

A globalização constitui um dos fenômenos mais marcantes dos últimos 25 anos. Transporte, internet e acordos comerciais combinaram-se para criar um sistema interdependente mundialmente. Isto significa, inversamente, que: o aumento da interdependência global implica a diminuição do controle local. Ou seja, quanto maior a dependência das cadeias globais de suprimento, maior a vulnerabilidade local. Verifica-se, assim, que os riscos são a base do processo de globalização. Isto significa, portanto, neste período fomos progressivamente nos tornando cada vez mais dependentes do que está acontecendo em outros lugares do mundo.


É por isso que a disseminação do SARS-CoV-19 teve um efeito tão imediato em todo mundo. Para ilustrar este processo basta fazer uma analogia simples. Na epidemia de SARS em 2003 a China representava 4% da produção global, atualmente responde por 16%. Isto significa que tudo o que está acontecendo na China afeta imediatamente o mundo em uma extensão muito maior. Ou seja, quanto maior a interdependência entre os contextos sociais maior o risco de contágio econômico, cultural e sanitário. Portanto, quanto maior a densidade do processo de globalização, maior a intensidade do processo de propagação de valores, ideias e vírus.


Neste sentido, a COVID-19 comporta um paradoxo curioso: o surto constitui um problema criado globalmente, mas não pode ser resolvido pela globalização. Mais precisamente, o processo de disseminação do SARS-CoV-19 foi produzido pela intensificação das relações globais, porém quanto mais intensas as relações globais, mais difícil a gestão. Isto acontece porque quanto mais extensas as cadeias de suprimentos e a circulação de pessoas, menores as condições de controle. A dependência internacional acaba, portanto, diminuindo as condições locais de controle da COVID-19. Este processo pode ser dividido em três ritmos: a) Hiperglobalização; b) Neoglobalização; c) Desglobalização.


a) Hiperglobalização (1989-2008): compreende o período que vai da Queda do Murro de Berlin em 1989 até a quebra do banco Lehman Brothers. Neste período o volume de mercadorias comercializadas na esfera planetária foi multiplicada por quatro, o nível do comércio mundial aumentou quase duas vezes mais rápido que a produção mundial de cada ano. O efeito deste processo foi uma transformação na forma de consumir, produzir, trabalhar, governar e interagir. A sociedade se tornou multicultural e o modelo político liberal se consolidou como forma de governo predominante;


b) Neoglobalização (2008-2017): compreende o período entre a quebra do Lehman Brothers e o Brexit. Este período se caracteriza por uma diminuição da intensidade do processo de integração global das atividades e o surgimento de políticas protecionistas. Por um lado, a Crise Financeira de 2008 gera muita incerteza sobre a dinâmica de funcionamento do mercado global; por outro, altera o padrão de atuação do governo norte-americano com reestatização das agências de crédito imobiliário. Nesta fase, as forças globalistas se enfraquecem e as forças antiglobalistas se fortalecem;


c) Desglobalização (2017- ?): refere-se ao processo relativo ao Brexit até o presente. A Desglobalização é o processo de diminuição da interdependência entre os Estados-Nação ao redor do mundo. É utilizado para descrever os períodos da história em que o comércio econômico e o investimento entre países declinaram. Compreende, neste sentido, um fenômeno que se opõe ao processo de globalização. O objetivo é tornar a organização econômica mundial mais justa, social e ecológica por meio de novas regras que contenham os efeitos nocivos do livre comércio e do neoliberalismo.


Porém, a operação social destas três forças deve ser considerada de forma paralela e não sucessiva. Afinal, durante o período de predomínio da Hiperglobalização operavam também as forças da Desglobalização e da Neoglobalização; como também, no período de predomínio Desglobalização operam ainda as forças da Hiperglobalização e da Neoglobalização. Isto acontece porque a Globalização compreende um fenômeno dinâmico. Isto acontece porque as forças globalistas e as forças antiglobalistas não somente se opõe mas, muitas vezes, acabam se complementando. Este processo é bastante evidente na COVID-19.


Figura 1 – Fases de globalização


Neste sentido, aplicando o Princípio de Continuidade que caracteriza todas as situações de emergência para que a COVID-19 potencializa o processo de Deglobalização. O Princípio de Continuidade estabelece que as condições sociais observadas no período pós-impacto (Tempo-2) são a materialização das condições sociais existentes no período Pré-impacto (Tempo-2). A COVID-19 combinada com a guerra comercial entre os EUA e a China levará as empresas a realocalização das atividades produtivas. Neste sentido, não se trata mais saber se essas mudanças vão acontecer, mas apenas quando e como poderão ser gerenciadas?


A COVID-19 ensinou duramente que cadeias longas de suprimentos são altamente vulneráveis. Afinal, a escassez de suprimentos médicos cruciais e a importância da China como único fornecedor mostra que, paradoxalmente, um problema gerado globalmente não pode ser resolvido adequadamente de forma global. É que enquanto alguns países buscam aumentar a produção doméstica, outros tentam restringir as exportações. Esta lição pode levar muitos países a querem ter mais controle sobre as linhas de suprimento e a política industrial doméstica. Ao mesmo tempo, este processo de controle pode acabar enfraquecendo a globalização e fortalecendo o estado-nação.


A COVID-19 intensifica a tendência de Desglobalização. Evidentemente, a COVID-19 não vai conseguir reverter o processo de globalização, mas, é bem provável encurtará as cadeias de suprimentos. O encurtamento das cadeias de suprimentos vai desacelerar ainda mais o ritmo de globalização. Certamente, este processo terá um impacto direto sobre a forma como as pessoas consomem, se comunicam e interagem. Afinal, a maior parte da globalização não se refere à movimentação de produtos, mas à circulação de pessoas, ideias e informações. Portanto, o principal efeito da COVID-19 foi a desaceleração do ritmo de globalização.


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