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COVID-19 E AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Ana Lúcia Abrão Latrônico

Arquiteta e Urbanista

Mestre em Desenvolvimento Regional

As medidas de controle do COVID-19 transformaram a vida cotidiana de maneira repentina. No mundo todo, trabalhadores tiveram que reorganizar suas rotinas para realizar suas atividades diárias a partir de suas casas. Como efeito emergente imediato, observou-se uma profunda mudança na atividade urbana: ruas, praças, parques e demais espaços públicos – normalmente geradores de vitalidade urbana – encontraram-se despovoados, contrariando o sentido de sua existência. Assim, o Distanciamento Social modificou toda a imagem que tínhamos de nossas cidades.


Neste cenário, observou-se também o aumento do uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) como mediadoras deste processo. Elas se tornaram as ferramentas aliadas para que grande parte dos profissionais mantivesse suas atividades a distância. Dessa forma, o Home Office virou prática habitual no mundo todo, aulas passaram a ser ministradas online, lives de artistas se propagaram rapidamente, e mesmo videochamadas para amenizar a distância entre amigos se tornaram (muito mais) comuns. Estas práticas têm como objetivo a tentativa de manter algum senso de normalidade diante da situação atual, ampliando o sentido de presença de maneira virtual.


Neste sentido, observamos o esvaziamento do espaço público da cidade, mas ao mesmo tempo o aumento da população em uma outra dimensão: no ciberespaço. A palavra ciberespaço se refere a um espaço virtual, formado pelos fluxos de informações gerados pela interconexão mundial dos computadores e de suas memórias. Ou seja, ele é “povoado” a partir dos dados gerados por usuários em rede. Como o uso das TICs se tornou mais intenso devido ao Distanciamento Social, a quantidade destes dados também cresceu. Isto também causou uma transformação das práticas cotidianas em atividades híbridas – isto é, atividades que se complementam através da interação entre espaços físicos e virtuais.


Além do uso das TICs para a realização de atividades remotas em meio ao Distanciamento Social, observa-se também o seu uso como estratégia de controle da propagação do vírus. Assim, as TICs têm sido utilizadas, por exemplo, para monitorar pessoas contaminadas através do GPS de seus smartphones, e garantir que elas estejam cumprindo o Isolamento Social. É o caso de Israel, por exemplo, que utilizou os dados de localização dos celulares dos cidadãos para rastrear os contaminados. É o caso também da Coreia do Sul, que criou um app chamado “Corona 100m” que notifica aos usuários quando estão a 100 metros da localização recente de um paciente infectado.


No Brasil, também surgiram estratégias que utilizam as TICs como meio para o controle da disseminação do vírus. O Ministério da Saúde, por exemplo, lançou o app Coronavírus – SUS, com o objetivo de informar a população sobre o vírus. O app conta com informativos sobre os sintomas, prevenção, e o que fazer em caso de suspeita. Também contém um mapa com a localização das unidades de saúde mais próximas do usuário. Além disso, o Estado de Santa Catarina adotou uma medida similar à Coreia do Sul: as prefeituras municipais enviam notificações via SMS para alertar a população a uma distância aproximada de 200 metros da residência de uma pessoa infectada.


Estas medidas de contenção do COVID-19 mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação não surgiram isoladamente. Elas emergem de um contexto em que estas tecnologias têm sido amplamente utilizadas para a gestão dos problemas contemporâneos. É o caso, por exemplo, dos inúmeros apps relacionados ao uso das cidades criados nos últimos anos: Uber, Google Maps, Moovit¸ entre outros. Por sua vez, estes apps também se originaram em meio a um cenário que combina Urbanização e Revolução Digital, e que resultou no conceito de Smart City e no fomento ao uso da tecnologia como meio para gestão dos problemas das cidades contemporâneas.


Neste contexto, um dos dispositivos de destaque é o smartphone, que mudou a forma como as pessoas utilizam a internet: elas deixaram de buscar informações de seu interesse para receber notificações em qualquer lugar em tempo real. Esta mudança facilitou a distribuição de alertas por aplicativos que tem como objetivo a segurança dos usuários – como é o caso dos apps relacionados ao coronavírus – e, por isto, necessitam que suas informações cheguem rapidamente aos usuários. Ou seja, em casos como uma pandemia onde os dados mudam de maneira acelerada, o tempo é um fator determinante para a segurança do usuário.


Por outro lado, as funções de localização dos smartphones, que em alguns casos são necessárias para que a informação chegue a quem interessa, também submetem os usuários a um estado de vigilância constante. Isto acontece porque para receber as notificações, o usuário precisa permitir que o app em questão acesse seus dados de localização – que precisam estar ligados o tempo todo, registrando todos os seus deslocamentos, locais visitados, e tempo de permanência em cada local. Uma das consequências destes registros é a sensação de perda de privacidade dos cidadãos, já que não se sabe exatamente quem tem acesso ou como funcionam estes dados.


Porém, em um cenário como o da pandemia do COVID-19, que exige uma certa urgência de resposta dos governantes, estas questões passam batidas – o mais importante é a contenção do vírus. Por isto, muitas decisões importantes são tomadas sem que haja consulta da população ou mesmo de outros setores governamentais. Assim, os usuários acabam confiando que seus dados não serão utilizados para outros fins que não estejam relacionados com o controle do vírus – muitas vezes por falta de opção. Desta forma, verifica-se que quanto maior a gravidade de uma situação, maior a confiança dos usuários e a probabilidade de que eles aceitem o monitoramento e compartilhamento dos seus dados em troca da solução do problema.


As questões e práticas que emergiram na pandemia do COVID-19 não surgiram de repente. O que a situação fez foi acelerar processos e discussões que já existiam e evoluíam aos poucos. A questão da coleta de dados e da vigilância constante que envolve os usuários de TICs é uma delas. O efeito das TICs sobre o urbano e qual a função da cidade em um cenário que não são necessários deslocamentos e encontros presenciais é outro. Porém, as transformações reais que a pandemia irá trazer serão resultado das práticas cotidianas que perdurarem após o seu fim – e só então poderemos medir qual foi seu efeito.



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